sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Errante

É por ser louco


Que é tão normal


É por desejar tão perto


Que voa longe


É por ser tão errante


Que acerta sempre


Nos caminhos que escolheu.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O carrinho de tomates

Eu estava decidido dar um outro rumo na minha vida, não queria viver o resto dos meus dias engordando no sofá apenas recebendo aposentadoria. Passados os dois primeiros meses sem trabalhar, já não aguentava mais tanta monotonia, resolvi então investir em uma venda de tomates e verduras. Comprei um carrinho de madeira, com aspecto rústico, perfeito para o que se propunha, era agradável arrumar aqueles tomatinhos vermelhinhos todos juntos. Dava gosto de ver e vender!


Minha clientela era grande, montei a venda em um ponto estratégico do bairro, perto da praça. A cliente mais assídua era Dona Amélia, uma senhora que aparentava seus 65 anos, e comparecia quase todos os dias para comprar meia dúzia de tomates.


Era mais um dia comum e o sol estava a pino, Dona Amélia estava escolhendo seus tomates e algumas cabeças de alface quando ao longe ouvi uma explosão. Um policial rolava no chão escapando do fogo que dominava sua viatura. Logo adiante um homem roubava o carro de um senhor, que acabara de sair da concessionária com o veículo novo. O pobre homem ficou sentado na calçada vendo seu carro ir embora, em completo desespero. E como se não bastasse, o policial que outrora estava rolando no chão para escapar do fogo, abordou um rapaz que dirigia tranquilamente. Apenas ouvi o policial pronunciar "Preciso de seu carro, é uma emergência!", e com uma naturalidade que eu nunca vi, jogou o jovem para fora de seu veículo. O rapaz, desolado, foi então sentar-se ao lado do senhor que tivera seu carro roubado, e os dois puseram-se ali a lamentar o incidente.


Distraído com a cena, assustei-me com o grito de Dona Amélia, que jogou sua sacola de tomates e alfaces para o ar, caindo para o outro lado da calçada, quando um carro desgovernado quase a atropelara. Antes que eu pudesse socorrê-la, outro carro, cujo motorista era um policial que buzinava e gritava "Saiam da frente! Saiam da frente!", avançou em cima do meu carrinho e o colocou abaixo. Todo o meu investimento estava perdido.


Meu nome é Ademir, e eu sou o anônimo que perdeu o carrinho de tomates durante a perseguição em um filme policial na seção da tarde.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

A lenda da pomba estúpida

Não posso negar que Jesus tenha existido, embora seja estranho um corpo  simplesmente desaparecer. Mais estranho ainda é entender por que é que o menino teria um pai que não era seu pai, outro pai que era uma pomba e uma mãe que gerou o filho da pomba. Sábias palavras de Caeiro ao narrar a estranha e desestruturada família de Cristo. E mais estúpido que uma pomba, que não era de fato uma pomba, é quem entende que dona Maria jamais teria amado José por fazer constar que Jesus seria filho de uma mulher tão pura que jamais teria se sujado em uma comunhão entre dois corpos.


Ora, se a natureza é tão perfeita talvez por Deus criada, que estranho seria a criatura mais iluminada que já ouvimos falar não nascer da perfeição que é a natureza dos corpos que se amam e geram uma vida pela manifestação mais pura e primitiva do amor. Por que é que Maria precisou de uma pomba que não era pomba e sim um espírito (e santo!) para gerar seu filho? A natureza tão perfeita já provia seus próprios meios. Essa pomba é mesmo estúpida, ou talvez estúpida seja a Maria, que por alguma razão achou que José tinha virado uma pomba e plantou o menino em seu ventre.


Quem sabe essa história seja apenas um conto de fadas, mais irreal que a prórpria Cinderela: ao menos o que era mágico era uma fada, e não uma pomba que não era pomba.


Se Jesus existiu, ele foi fruto de uma noite de amantes, e alguém deve ter contado pra ele e ao mundo a lenda da pomba, assim como contam às crianças comuns que os bebês vêm das cegonhas... no fim das contas, são sempre os pássaros!