terça-feira, 29 de setembro de 2009

Um Enforcamento Seguro

Era por volta de oito da noite quando a campainha tocou. Ele chegou falando alto, tinha um bigodinho preto mequetrefe, era baixinho e gorducho com o cabelo pintado. Não há com o que fazer comparações em relação à sua aparência, pois a comparação que eu faria é com um vendedor de seguros e é exatamente isso o que ele era. Já estava preparada para o que me seria apresentado, preferi não me estender muito e logo escolher o plano que me adequava. Não fosse minha experiência de já ter sido vendedora um dia (não de seguros obviamente, eu não desceria tão baixo) teria sido um pouco mais difícil me livrar de sua lábia.


Vendedores são criaturas abomináveis, piores que operadores de telemarketing. Um operador de telemarketing está ali por não ter mínima vocação para vendedor e dificilmente consegue te convencer de algo porque ainda não aprendeu a falar (se algum operador de telemarketing já te passou a perna, se mata, você é mais burro que ele), e para se livrar dele basta bater o telefone ou se fazer passar por um empregado cujo patrão saiu e você não sabe quando volta. Um vendedor não, vendedores são criaturas vindas do inferno treinados para te enganar e levar a sua alma. Em questão de segundos um vendedor consegue se passar por seu maior amigo da infância e faz parecer lindo aquela blusa tamanho P cujo decote exalta os seios fartos que, sem o sutiã, sentem o chão gelado.


Quando o vendedor não é seu melhor amigo, é a criatura mais antipática do planeta (me desculpe por interromper seu almoço frio de marmita atrás do balcão!) e não podemos nos livrar dele como fazemos com os operadores de telemarketing. Nem todas as lojas são como Americanas, C&A ou Renner. Lojas de departamento são ótimas, você mesmo escolhe o que quer levar, prova a roupa com o direito de ter a noção de que aquilo ficou ridículo e sem que um vendedor pentelho te jogue outras que vão ficar "maraaaaa" com aquela calça que você tinha escolhido, ou simplesmente levou para o provador porque o vendedor te empurrou. E então é só passar no caixa, pagar e tudo está resolvido, o único porém é que se você precisar de algum auxílio eles vão todos correr de você. A missão de cada Associado (denominação criativa para os trabalhadores que são pagos para perambular pela loja vestindo a camisa da empresa, não?) é dizer “É no outro corredor, senhor” ou “Procure outro associado, senhor, esse não é meu departamento”. Mas confesso que não me incomodam, que eles fiquem onde estão. Agora tente se livrar de um vendedor! Ou você sai da loja deixando seu salário ou sai puto porque não conseguiu levar o que queria.


Não gosto aquelas lojas que tem mais vendedor que cliente, eles formam um paredão na entrada que dá até medo. Nessas aí eu nem ouso entrar, o cliente mais assíduo é uma mosca varejeira que vai todo dia pousar no pão meio comido que um dos vendedores deixou na mesinha perto da porta de entrada para o estoque, porque ele não teve tempo de almoçar ou estava desesperado pensando que o cliente a quem ele ia destinar a venda que lhe concederia o bônus de funcionário do mês e a maior comissão da equipe, apareceria bem na hora que ele estivesse almoçando, era melhor passar fome. A situação é desesperadora, fuja dessas lojas o máximo que puder, pois quando você passar pela porta, eles te agarrarão com tanta voracidade que te farão tirar até as suas calças.


Mas não há pior espécie de vendedor que vendedor de seguro. Não há escapatória, ou você encara o belzebu picareta ou fica sem o seguro. O pior é que comprar um seguro é como dar o nó na própria corda que vai te enforcar mais tarde, mas pelo menos você já sabe como vai morrer e não será pego de surpresa futuramente. Um vendedor de seguros não te deixa pensar, não permitirá que você conclua uma frase inteira e você nem vai se dar conta disso.  Ele está treinado para que todas as falas decoradas do manual "Como vender Seguro de Geladeira para um Esquimó" pareçam respostas a todas as suas dúvidas. Se você perguntar qual é a cura da AIDS e a solução para a fome na África a um vendedor de seguros, ele vai te responder, a resposta pode não servir, mas você vai ficar satisfeito.


E ali estava ele, com sua pastinha preta, já sentado e espalhando todos os papéis sobre a mesa, com um copo de água gelado oferecido em um pires (para parecer chique!) e tentando despejar sua lábia toda em cima de mim, eu desviava de cada palavra como o Neo desviava de uma bala quando estava na Matrix. As perguntas que eu fazia eram puramente técnicas e as conversas que surgiam era pior do que aquelas de elevador, quando você entra nele e só tem uma tia com uma sacola de compras em mãos, comentando como o quilo da cebola estava caro. Mas no fim das contas deu tudo certo e consegui dar o nó na minha corda, logo poderei me enforcar com todos os benefícios e segurança que só a Amil pode oferecer.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Orgulho de não ser pobre

Certa vez, quando eu disse que não baixo a cabeça para conseguir alguma vantagem financeira, disseram-me para que eu continue pobre com meu orgulho, na mesma posição, dentro do mesmo emprego de merda, ganhando a mesma miséria para o resto da vida.


Mas de que tipo de pobreza e orgulho estamos falando aqui? Integridade e amor próprio não tem preço. Não falo agora de moral ou ética, esses dois conceitos poderiam dar uma tese a qual não pretendo iniciar aqui, e certamente eu não teria conhecimento nem todas as ferramentas para uma discussão concisa e embasada.


Mas não creio ser demérito algum prezar mais os próprios valores do que os valores materiais que nos acercam. Uma consciência tranquila vale mais do que uma vida cheia de luxos. Luxo é muito bom, quando o preço não é a própria alma. Vender-se por dinheiro é como vender a alma ao Diabo, creio que ainda não cheguei a tal ponto de desespero para recorrer a essa opção.


Todo ser humano tem seu preço, todo indivíduo é corruptível em algum ponto, seja ele financeiro ou não. Ocorre que algumas vezes o preço é tão alto que a corrupção não simplesmente não acontece, ao menos não intencionalmente. É triste notar que atualmente as pessoas se vendem tanto por tão pouco que não podem ter moral alguma para apontar o dedo para o mais execrável dos corruptos.


É fato que não se pode condenar ou medir uma ação pela quantia monetária movimentada, corrupção é corrupção, seja ela no desvio de milhões ou na omissão do ato de ter recebido um troco a mais na padaria. Não é a consequência financeira que está em questão, mas a ação de quem se corrompeu. O pensamento malandro é o mesmo, em ambos os casos a política de se dar bem a qualquer custo prevaleceu. Da mesma forma, não há diferença entre os políticos e os que compactuam com suas falcatruas, aceitam suas imposições e tornam-se submissos para conquistar ou manter posições de vantagem.


Não me venha dizer que isso é orgulho, não me venha dizer que vou continuar pobre. Não vou baixar a cabeça, não vou me corromper por tão pouco, não vou me submeter a situações humilhantes. Não estou morrendo de fome, nem estou em alguma situação entre a vida e a morte. Se eu tenho um preço, ninguém ainda encontrou um meio de pagá-lo, pois esse valor não é financeiro.


Posso não ter tudo que quero, mas minha consciência vale mais do que qualquer bem material que desejo, já desejei ou porventura venha algum dia a desejar. Eu não sou pobre, sou rica, sou muito rica. Pobre mesmo é quem não consegue ver e entender esse tipo de riqueza.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Corredor de ilusões

Já fazia muitos dias que ela não passava por ali, aquele corredor trazia-lhe lembranças das quais não queria esquecer, apenas deixar na memória das ilusões. Passaram-se dias, semanas fugindo de algo que não estava mais lá. Até que por um momento, evitando uma tempestade que lhe abatia, adentrou por aquele caminho. A porta estava fechada, não mostrava-lhe ausência ou presença, era apenas uma porta fechada.


Mais alguns dias seguiram e a passagem voltava a ser habitual, ao menos nos momentos que ela sabia que não encontraria a porta aberta. Olhar era inevitável, era como se algo ainda permanecesse ali, intocável. Nunca havia visto de outro jeito, ora fechada, ora aberta. Fechada era como sempre foi quando não estava aberta, hoje aberta é como ela nunca tinha visto e preferia não ver.


Outrora com papéis na mão chegou o momento que ela não sonhava, tampouco esperava, mas sabia que um dia chegaria. Passou pelo corredor e ela pôde notar que luz saía da porta que certamente não estava fechada. Hesitou, deu dois passos para trás e pensou em voltar. A idéia de ver aquela porta aberta de um modo como nunca tinha visto antes não lhe agradava. Na verdade um medo inexplicável tomou-lhe o coração, deu mais alguns passos, parou e lembrou-se de como era quando costumava parar e, com o coração acelerado, pensar se devia adentrar ou não, ora passando reto, ora adentrando e perdendo todos os sentidos que conhecia da palavra.


Decidiu continuar e ao chegar perto hesitou mais uma vez por alguns segundos, prosseguindo logo em seguida. Uma idéia louca surgiu-lhe à mente, mesmo consciente de que não podia ser verdade, olhou com o coração disparado como se fosse ver o que sempre viu. Mas tudo estava diferente, aquela ilusão havia passado e finalmente viu o que o coração evitava ver: ausência em todos os sentidos.


Não era a mesma luz, não era nem mesmo o local que costumava ser, apenas uma diferença foi capaz de mudar tudo. Depois de tantos dias, naquele momento ela havia percebido a efemeridade de todos os momentos, de tudo que foi, tudo que não foi, não deveria ter sido e a alegria sutil de tudo que é.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A pedra e o coração

A pedra é um das coisas mais belas existentes na natureza. A beleza de cada minério está na razão de sua existência ou simplesmente no destino que se dá a ele. Das mais belas montanhas rochosas às pepitas no fundo de um rio, do diamante ao mármore, da jóia à escultura, da moda à arte.  Seja como for, a pedra é bela quando é pedra, bruta ou lapidada, em bloco ou esculpida, nas montanhas ou no rio, ainda assim, uma pedra.


A escultura está dentro um bloco, cabe ao artista descobrir e extrair. O artista só é artista porque tem um coração, se seu coração fosse de pedra, ele não seria artista, e seu coração não seria coração, tampouco seria uma pedra. O coração é belo por ser coração, a pedra é bela por ser pedra. A pedra que não é pedra não poderá ser descoberta por um coração, e o coração que não é coração não poderá ser tocado por pedra alguma.


Uma pedra não pulsa, simplesmente porque é uma pedra. Um coração de pedra consiste em uma vida sem pulsar, e uma vida sem pulsar não conhece o amor. Uma vida sem amor não pode nem mesmo ver a maravilha natural de uma pedra.


Que as pedras sejam pedras e os corações sejam corações, porque os corações de pedra terão sempre a objetividade e a frieza presentes no reino mineral, mas jamais poderão exalar sua beleza.

sábado, 5 de setembro de 2009

I don't own my heart

It's all over again
I couldn't get this feeling
to forget what's missing
going down in pain

I could change myself
I've tried a way to start
I could see the truth
But I don't own my heart