sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Onde está o seu Ano Novo?

Eu desejava produzir um texto para o ano que chega, como costumo fazer nessa época festiva. Mas, por alguns dias, pensei que, nos anos anteriores, eu já tivesse esgotado tudo que eu eu poderia escrever sobre o ano novo e que para a virada 2011-2012 não viria nenhuma produção literária. Até ouvir, de uma professora, a seguinte pergunta: “Onde está o seu ano novo?”. A pergunta, por mais simples que possa parecer, ofereceu-me muita reflexão e gerou ideias para um novo texto a respeito dessa época que tanto nos enche de expectativas.


A virada do ano é uma data simbólica, representa o fim de um ciclo e início de outro, é natural, portanto, que venham com ela tantas esperanças e façamos tantos planos e promessas para os ano que nasce. No momento em que chega a meia noite de 31 de dezembro, abraçamos nossos familiares e amigos, desejamos os melhores votos, estouramos frisantes, fazemos promessas e todo tipo de ritual em busca de sorte: oferecer flores à Iemanjá; pular sete ondas; comer lentilha; colocar folha de loro na carteira. E então passam os dias, meses, e tudo aquilo que desejamos com tanto entusiasmo, cai no esquecimento.


Desejar o melhor para nós e os nossos é fácil, difícil é dar um real significado a todos esses votos de final de ano, afinal, de nada adianta o calendário seguir em frente se nós continuamos estagnados. E é aí que entra a pergunta: onde está o seu ano novo? O ano novo pode ser seu aniversário, um dia qualquer que, por algum momento epifânico, você resolveu mudar; pode ser ele todos os dias, a cada dia uma mudança gradual.


Portanto, ao chegar o primeiro segundo de 2012, celebre, beba, coma, reze, ritualize, deseje e faça promessas, mas dê significado a tudo isso. Seja qual for seu desejo, esteja você prestando vestibular e almejando a tão sonhada vaga na universidade, planejando um novo emprego ou entrar em um relacionamento bacana, saiba que é você — e só você — que pode fazer o seu Ano Novo.


É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.” (Carlos Drummond de Andrade – Receita de Ano Novo)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Regras para o namoro do século XXI

O namoro do século XXI vem, obrigatoriamente, de uma relação que começou descompromissada; amar é um efeito colateral deste primeiro passo. Apaixonar-se antes de dar os primeiros pegas, é brega. Primeiro fica-se a fim e, após sondar o território, começa-se a flertar e a esperar respostas. Caso sejam positivas, basta então começar a investir diretamente para aproveitar o bem bom. Demonstrar qualquer sinal de sentimentos mais profundos é proibido, declarações de amor e bem querer estão fora de moda. Mostrar-se desencanado, ainda que não esteja de fato, é essencial; manter a relação enrolada sem definir para que lado vai é o caminho para um namoro que provavelmente não vai acontecer e vai lhe deixar muito frustrado, mas você supera, porque está no caminho certo. E então você parte para outra e segue os mesmos passos, de novo, e de novo, e de novo...

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Até a última gota (de água ou de paciência)

Há algum tempo se espalhou no Facebook um vídeo, encabeçado por atores globais, que convoca todos a se juntarem à campanha “Gota D’água” para impedir a construção da usina de Belo Monte.







Como resposta, estudantes da Unicamp elaboraram um outro vídeo, intitulado “Tempestade em Copo D'água?”







O discurso levantado por esses alunos, apesar expor o outro lado da moeda, é também tendencioso, aliás, como costuma ser todo discurso, afinal, a ideia ao se expor uma ideia é, normalmente, convencer o eleitorado.


Ok, o conceito do projeto Gota D'Água é falacioso e suspeito, mas este último também não convence por completo. É claro que não existe fonte totalmente limpa de energia, nem mesmo as tão aclamadas energia eólica ou solar, e, no modo de vida que levamos hoje, a demanda por eletricidade é cada vez maior; mas a quem essa usina beneficiará? Para quem de fato vai todo o recurso elétrico gerado? Será o dinheiro público empregado em uma usina que atenderá ao país ou a interesses privados, como a produção energia para a obtenção do alumínio? Bom, mas isso parece certo, vai movimentar a economia, legal! É ótimo para o país, não é? Claro, usar o dinheiro público para fazer uma usina nacional que atenderá essencialmente a interesses privados é realmente muito justo.


E só porque uma quantia em dinheiro, muito maior do que o orçamento da obra em questão, é enfiada em nobres cuecas sem o menor pudor e o desmatamento da floresta pela construção de Belo Monte é pífio perto daqueles acarretados por outras práticas, a execução desse "belíssimo projeto" se justifica? Isso é quase mesmo que dizer que um político que rouba, mas faz, pode continuar no poder porque outros também roubam, entretanto, nada fazem! Ora, se o dever de um político é servir ao Estado e à Nação de forma íntegra e o nosso dever é justamente cobrar de nossos representantes essa conduta, é também dever de todos pensar na melhor solução, tanto econômica quanto ambiental, ao desenvolver qualquer projeto nacional, e não justificar um erro ao apontar para erros maiores.


Sobre as fontes alternativas de energia, é claro que seria insano pensar em usinas eólicas ou solares para sustentar a demanda energética de um país tão grande tanto econômica quanto territorialmente, mas poderia ser o caso de pensá-las como meio de produzir ao menos a energia que aquece nosso chuveiro, uma vez que o grande vilão nas campanhas ecológicas de economia elétrica é justamente o próprio.


Mas o Brasil é um país emergente, já é uma das economias mais fortes do mundo, integramos o G20, fazemos parte dos BRICS, precisamos de energia para crescer! Vamos então participar desse projeto que vai alavancar ainda mais o crescimento! Só se esqueceram de mencionar que todo esse lucro é sempre compartilhado entre o rei e os amigos do rei.


Coloquemos os fatos em pratos limpos, afirmar que Belo Monte é um belíssimo projeto é um tanto quanto exagerado; ele pode não ser o monstro de sete cabeças que pintam os ambientalistas, mas está longe de ser um panda fofinho. Se por um lado os atores da Globo estão exagerando e distorcendo os reais fatos, o discurso desses estudantes está um tanto quanto ufanista, eles estão praticamente nos convocando a integrar uma massa de "Policarpos Quaresma¹".


Brasil, esse é um país que vai pra frente! Enquanto isso, a população fica para trás. A eles, a Champagne; a nós, o guaraná Dolly.


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1. Referência à obra Triste Fim de Policarpo Quaresma, romance folhetinesco brasileiro pré-moderno, de autoria de Lima Barreto.


quarta-feira, 19 de outubro de 2011

À ética

Por que me colocas tu à prova
tu quem tanto defendo?
Quem és o oposto de ti
tu que a mim à entidade metafísica
do sobrenatural equivale?
Tu, que em minha Carola resides
e não me abandonas
e estará ali para apontar-me o indicador
ao ver-me cair em tua ardilosa armadilha.
Que queres tu provar ao testar meus limites
e encontrar minhas falhas
e me ver negar tudo quanto sempre preguei?
Não aos céus, mas a mim e aos meus.
De ti sabes que não posso fugir
e queres não que eu apenas seja forte
mas que eu não tenha um calcanhar de Aquiles.
Saibas tu que não desistirei
em ti acredito e por ti enfrento
posto que tu insistes em mim desacreditar.

sábado, 15 de outubro de 2011

Ser Professor é ter amor, é ser ator

Há um tipo de profissional sem o qual não seria possível o aparecimento dos demais. Essa figura, essencial para a sociedade, é conhecida pelo nome de Professor. Sem Professor não haveria médicos, físicos ou matemáticos, não existiriam biólogos ou veterinários, sem Professor não existiriam sequer professores; nesse ponto chegamos a um paradoxo sobre o qual não pretendo iniciar uma discussão.


Mas não é fundamental a presença de um professor para aprender a ser malandro, conhecer a Lei de Gérson em todas as suas variações, bem como saber quando e como aplicá-la com maestria; para a arte de ser malandro o que não falta é mão de obra autodidata. Deve ser por isso que a beleza da profissão exercida pelos professores não é reconhecida em terras tupiniquins. Definitivamente, ser Professor é, acima de tudo, ter muito amor.


Ser Professor, o melhor professor, é, em sua máxima excelência, ser um artista, afinal, ensinar é uma arte, a arte de ser ator. É ser capaz de fazer o impossível para trazer ao plano físico as almas de uma turma de alunos matutinos que ainda encontram-se perdidas no reino de Morpheus e impedir que o pó de Sandman atinja os olhos daqueles alunos que batalharam o dia inteiro e sobreviveram para as aulas noturnas, quando a voz do professor parece um som distante vindo de algum plano etéreo. É iniciar uma batalha épica contra Chronos para fazer o conteúdo de uma vida caber em apenas cinquenta minutos.


Ser Professor é incorporar um personagem a cada dia, a cada aula. É passar pela porta da sala e deixar do lado de fora aquela briga com a mãe, com o pai, com a namorada, com o marido, com a filha, com o cachorro... é, por um período que reside entre o bater de um sinal e o soar de outro, esquecer que todos os problemas existem e conseguir sorrir para os alunos, conquistá-los a cada minuto e neles despertar a admiração pela figura que se articula em frente ao quadro negro.


A ausência do Professor, muito mais do que impedir a existência de outras belas profissões, impede a propagação de valores humanos. Sem Professor, não há educação, não há esperança, não há a possibilidade de qualquer mudança. A você, professor ou futuro professor, parabéns pela escolha, pela luta de cada dia, parabéns por não desistir, parabéns por todo esse amor.


Essa é uma singela homenagem aos meus professores do cursinho, ex professores da faculdade, amigos professores e futuros professores. A vocês, desejo um merecido Feliz dia dos Professores.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Se as horas fossem longas

Se as horas fossem longas, eu leria três livros por dia, pintaria as unhas seis vezes por semana e correria pelas manhãs. Se as horas fossem longas, eu me encantaria todo dia com o pôr do sol, apreciaria a noite e só dormiria quando o sono viesse. Se as horas fossem longas, eu esperaria. Se as horas fossem longas, eu não teria medo e andaria calmamente às tardes. Se as horas fossem longas, você não apareceria na incerteza do momento. Se as horas fossem longas, cada minuto não consumiria tudo e tanto que tento conter. Se as horas fossem longas, eu conteria. Se as horas fossem longas, esse texto não seria prosa, nasceria poesia.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Setembrite

Há algum tempo os vestibulandos haviam sido avisados sobre a febre denominada Setembrite, que pode acometer-los no mês de setembro e, na transição para outubro, transforma-se em Outubrite. Não há registros de Novembrite, os sintomas de esquizofrenia e loucura provenientes da febre acontecem somente até a outubrite; ouve-se gritos estranhos ecoando pelos corredores, surtos psicóticos, convulsões e risos desenfreados; mas as estatísticas apontam que, ao passar pela Outubrite e sobreviver aos surtos e pressões psicológicas, o aluno provou-se forte e capaz de enfrentar as tropas de choque que o aguardam no fim da linha.


Houve o caso de uma garota que acreditou que a Setembrite não passava de uma lenda, afinal, setembro já havia chegado e ela não sentira nenhum dos sintomas previamente descritos. Ela então preparou sua mala e se dirigiu ao local de prova com horas de antecedência. Ali armou acampamento: da sua mochila saíram armários, roupas, sapatos e, no banheiro, arrumou os shampoos e toalhas; ela inclusive arrumou a mesa para o almoço; sentou-se na cadeira e esperou; olhou no relógio e decidiu sair para voltar mais tarde, pegou um ônibus e foi para casa.


Ao desembarcar, percebeu que já era hora de voltar para a prova e se deu conta que não conseguiria chegar a tempo; pediu carona para seu pai, mas o carro estava quebrado. O desespero tomou conta da situação, o celular tocou, ela olhou no relógio e eram cinco e meia da manhã, levantou-se e começou a se preparar para a primeira aula de história. "Setembrite é lenda urbana", pensou a garota enquanto escovava os dentes.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

As coisas que o tempo diz

Percebo estar exageradamente preocupada com a minha idade. Preocupação essa que não reflete apenas sobre o aspecto físico, aquele medo dos inevitáveis efeitos da lei da gravidade sobre as belas curvas. Não, a crise atinge níveis mais profundos, relacionados à percepção de que o tempo avança e a vida parece ter ficado presa na ilusão da flor dos vinte anos.


Eu me formei, sou graduada. “Em que você se formou?” me perguntam. Minha formação é de Bacharel em Artes Visuais, não lembro os motivos exatos que me levaram a escolher esse curso, a verdade é que sempre tive certo apreço pela arte, mas foi o excesso de subjetividade nela contida que fez com que minha racionalidade com ela entrasse em desacordo.


“Você se arrepende de ter feito essa faculdade?” Não, não me arrependo. Eu não saberia que não encontraria o que procurava não tivesse feito eu a busca. Ademais, bagagem de conhecimento nunca entra em excesso. A maturidade que tenho hoje não é aquela de dez anos atrás, tampouco será a mesma que terei após começar e concluir outra graduação. “Ah, mas você não tem medo de descobrir de novo que esse curso não é o que você quer?” Medo? É claro que eu tenho medo, mas eu se eu não o fizer, ficarei na eterna dúvida. O medo deve servir para manter-nos prudentes, não estagnados; e como já afirmado anteriormente, não há aqui mesma menina que fez uma escolha anos atrás, essa vida agora é outra e minhas escolhas são sustentadas por uma base mais solidificada.


A crise que me acomete não é pelas escolhas que fiz ou deixei de fazer, mas o tempo que elas tomaram. Perdi-me no meio do caminho, passei longos anos sem um verdadeiro objetivo; encontrei a fotografia, apaixonei-me por ela e isso me proporcionou momentos únicos, incríveis e experiências inesquecíveis para toda a vida. Mas ainda faltava algo, um vazio não preenchido... eu quero outra faculdade, eu quero a USP.


Lembrei-me da literatura, e do professor que me despertou por ela o interesse: Fernando Teixeira, ou FT, como era carinhosamente chamado. Professor já falecido que deixou um buraco no mundo e um legado sem precedentes e, em mim, a semente que me faz buscar agora o caminho das letras.


Medo? Eu tenho medo. O caminho ainda não é claro, pensamentos despencam como uma avalanche de dúvidas e ideias. Vejo, no cursinho, professores da minha idade ou até mais novos, pessoas que se formaram quase no mesmo período que eu me formei, e penso que eu poderia estar lá, mas não estou; não estou porque me perdi no meio da jornada, andei por caminhos tortos até encontrar aquilo que pode enfim tirar-me da escuridão. Mas na escuridão em que me encontro, há um foco de luz: aprender, relembrar e reaprender coisas que há anos não tinha contato, além de reencontrar professores que me lecionaram há dez anos, me dá a força que me impulsiona para nunca deixar de procurar as respostas que nunca encontrei.


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Pausas

Não há aquele que, sendo de alguma forma alvo de meu afeto, já não esteve, está ou estará sujeito ao desejo de uma pausa na convivência mútua. É sinal de necessidade de preservação de relações intensas que não devem se desgastar ao ponto de ocorrer desatinos ou ofensas, uma vez que o intervalo antes chega. Tal forma natural de equilíbrio, a antissaturação, é essencial para o bom desenvolvimento, intensificação e continuidade da afetuosidade recíproca.  Entretanto, é importante notar que tal evento pode ocorrer apenas para a manutenção de toda e qualquer relação entre o eu interior e tudo aquilo que vem de fora; pois, quando o problema está na auto convivência, jamais poderei dar um tempo de mim mesma.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

O valor da Subliteratura

Quando se fala em leitura logo vem aquela imagem de um intelectual devorando livros de filosofia, política, alta literatura e as mais variadas ciências humanas. Não há de se desmerecer, no entanto, os livros da então marginalizada subliteratura. O entretenimento é essencial na vida do ser humano, pode ele variar de uma partida de dominó, do cinema pipoca e aquele dito "cult" até a famigerada televisão. Quanto a este, alguns optam pelo futebol, outros enveredam-se pelo caminho das novelas; ambos os quais muitas vezes são abraçados por aqueles que se esquecem de todo o resto, mas, apesar das controvérsias, tais categorias podem ser enquadradas em uma categoria artística, assunto que, aliás, seria pauta para outra intensa discussão.

Não obstante, alguns preferem se deliciar em uma envolvente viagem através do mundo dos bruxos, da fantasia, dos vampiros, da magia e dentre tantas outras aventuras por meio de uma gostosa e agradável leitura. Há ainda de se levar em conta que, para escrever uma série de livros de histórias fantasiosas, é preciso, no mínimo, exercer domínio sobre a linguagem escrita e ter uma capacidade imaginativa e criativa, além de muitas vezes fazer paralelo reflexivo análogo à realidade; características não inerentes a todo e qualquer mero mortal.

Neil Gaiman, escritor britânico, escreveu em um de seus contos, usando de metalinguagem, a história de um autor que trabalhava em seu próximo livro e redigia a respeito de sua realidade, que incluía monstros, animais falantes, casarões e maldições de família e, de repente, viu-se preso a uma rotina monótona e resolveu então escrever sobre fantasias: a nossa conhecida realidade.

"Os temas-padrão da fantasia passaram por sua mente: automóveis, acionistas, funcionários, donas de casa e policiais, conselheiros sentimentais e comerciais de sabonete, impostos de renda e restaurantes baratos, revistas, cartões de crédito, iluminação pública e computadores... [...] Tudo escapismo, é verdade [...] mas o impulso mais nobre da humanidade não é o anseio pela liberdade, o ímpeto de escapar?"

A ideia da inversão dos conceitos usada por Gaiman para descrever aquilo que muitas vezes precisamos fazer é muito interessante: escapar para um mundo dos sonhos e nele encontrar a emoção e aventura das quais muitas vezes somos privados, sem que com isso deixemos, necessariamente,  de perceber elementos comparativos e análogos ao mundo no qual vivemos.

É no mínimo curioso, inclusive, que as escolas e educadores não adotem tais livros para atrair e introduzir as crianças ao mundo literário e então despertar seu interesse para o fantástico mundo da leitura. É claro que a importância da leitura de obras mestres da nossa literatura é inegável, uma vez que por meio delas também podemos conhecer e compreender as nossas origens; mas, em contrapartida, há de se concluir que enfiar tais obras goela a baixo, transformando a leitura em mera obrigação em vez de fazer dela uma forma prazerosa de converter informação em conteúdo e conhecimento, não é uma estratégia muito eficiente.

Que venham então Machado de Assis, Eça de Queiróz e todas as leituras obrigatórias do vestibular; exploremos Marx e Nietzsche e louvemos Fernando Pessoa, Willian Shakespeare e George Orwell. Mas, ampliando o mundo regido pela ditadura da boa literatura e entrando em um paralelo comparativo, não esqueçamo-nos de que além do violino, do piano, da música clássica e erudita, existe o cavaquinho, o pandeiro, o samba e o chorinho, bem como o baixo, a guitarra, a bateria e o bom e velho Rock’n’Roll.

Referência:

GAIMAN, Neil. Coisas Frágeis 2. São Paulo: Conrad, 2010. 166 p.


sexta-feira, 24 de junho de 2011

O vazio compartilhado

A solidão pode despertar diversas sensações, mas a mais estranha consequência desse sentimento contemporâneo é a necessidade de publicação online do atual estado de espírito: “Estou deprimido”; “Nossa, como estou cansado hoje!” ou simplesmente escrever "Estou feliz". E ainda tem aquela garota que terminou com o namorado, mas precisa anunciar ao mundo, na expectativa de que apenas uma pessoa leia, a imagem de uma mulher realizada: “Estou curtindo muitooo! Esse fim de semana promete!”.


Há também a necessidade de compartilhar o espírito de porco de dizer que encheu a cara no fim de semana, com um orgulho besta de seu grande feito acoólico, ainda que não tenha acontecido de fato: “A festa de ontem foi muito foda! Bebi muito!”; e de preferência mensagem é publicada com uma foto do sujeito acompanhado da cachaça.


Desabafar o cotidiano nessa forma de palavras aleatórias, concatenadas sem a formalidade lógica da linguagem escrita, não é uma prática recente, ainda que nos tempos de outrora houvesse um sentido de introspecção um pouco mais amplo. E naquele tempo era comum o uso do diário, aquele caderno cheio dos segredos mais obscuros de um indivíduo escritos de forma desordenada como os pensamentos, e que ninguém deveria saber, mas estavam ali para ser descobertos e lidos em um livro pessoal.


Com a globalização virtual, não existem mais mistérios a serem descobertos ou segredos a serem revelados, o diário caiu em desuso. Originou-se esse universo paralelo de explosão de introspecções superficiais, um compartilhamento de pensamentos vazios e escancarados que ninguém está interessado em saber; a internet virou um grande espaço para verdadeiros monólogos virtuais; um mundo de vazio propagado, cheio de ações sem reação, onde todos querem falar, mas poucos querem ouvir.

sábado, 18 de junho de 2011

Na órbita dos 30

Passar dos 25 anos não é muito assustador, aos 26 é fácil pensar que ainda se está próximo dos 25, que está na casa dos 20. Ao fazer 27, você percebe que se distanciou um pouco mais, mas é ao alcançar os 28 anos que a realidade dos 30 começa a ficar palpável; a partir daí o tempo passa em movimento uniformemente acelerado.


Enquanto corre o tempo, as crianças começam a lhe chamar daquele pronome o qual é usado para designar o irmão do seu pai, mas não é esse o fator que denuncia que você está envelhecendo, afinal, os pequenos chamam de tio/tia qualquer um que seja maior do que eles. O seu envelhecimento está, na verdade, proporcional e diretamente ligado ao número de fatos históricos marcantes que você vivenciou.


Eu havia acabado de nascer quando estudantes já lotavam ruas e praças pelo movimento Diretas Já; em 1989 ainda estava no auge dos meus 6 anos de idade quando houve a primeira eleição direta para presidente no país após a ditadura militar; lembro-me de brincar com as revistas e jornais de meus pais quando vi anunciada a vitória de Fernando Collor de Melo, com a foto do mesmo sentado em uma poltrona preta. Era comum ligar o rádio e volta e meia escutar notícias que mencionavam fatos da Guerra Fria, até noticiarem a queda do Muro de Berlim no mesmo ano.


Foi ao fim dos meus 8 anos que eu ouvia quase todos dias na TV a célebre frase "Invente, tente, faça um 92 diferente" da vinheta que precedia a 2ª Conferência Internacional sobre o meio ambiente, a Eco 92, que deu origem a todos os exageros do marketing do ambientalismo e desenvolvimento sustentável com que somos hoje bombardeados. E ainda tem aquele famigerado plebiscito de 1993, quando a população deveria decidir o sistema de governo do Brasil, em uma tentativa de reinstaurar o regime monarquista no país.


Parece que foi ontem que dois aviões atingiram as Torres Gêmeas nos Estados Unidos; mas, para mais me espantar, eu ainda tinha 18 anos quando acordei naquela tenebrosa manhã de 11 de setembro para ir ao cursinho pré-vestibular. E essa galera que nasceu em 92-93? Hoje já é maior de idade e não tinha nem 9 anos na época; esse deve ser o primeiro fato histórico marcante de que essa moçada consegue se lembrar. Os últimos 10 anos passaram com uma velocidade tão assustadoramente rápida que mais assustador ainda é pensar o que será dos próximos 10.


Cheguei aos 28; daqui para os meus 30 será um estalo de dedos e não demorará muito para que eu perceba que escrevi esse texto há anos atrás.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A luz da vida

A luz acabou; sinto-me perdida. Ao meu lado, um pires com uma vela acesa; em minhas mãos, um caderno e uma caneta; e, na cabeça, uma ideia a ser transposta para o papel. Em momentos como esse, percebo a dimensão da dependência que temos da estrutura urbana. A bateria do meu celular está esgotada, não há meios de recarregá-lo e o único relógio que não depende de energia elétrica que tenho disponível agora é um de bolso movido a corda; levando-se em consideração que eu raramente lembro de dar corda nele, eu não sei que horas são e tampouco imagino o que é que vai me acordar amanhã na hora certa para trabalhar.


Estou com fome, o microondas não funciona e esquentar um prato de comida no fogão não é muito prático; terei de aquecer a comida toda que, por sinal, ainda está intacta; situação que não deve manter-se inalterada caso a energia não volte em breve, porque a reserva perecível de minha residência não está seca e embebida no sal para sobreviver mais que um dia sem a geladeira. A noite está fria, eu poderia dramatizar dizendo que nem um banho quente pude tomar, mas meu chuveiro é a gás; tudo bem que o aquecedor é movido a pilhas e, quando descarregadas, sem energia elétrica, adeus água quente encanada.


Lembrei que tenho um rádio à pilha; há muito tempo não o uso, afinal, meu celular tem tudo de que preciso e mais um pouco, pena que ele é inútil agora. Comprei esse rádio em forma de sapo na 25 de março há alguns anos quando eu trabalhava no trigésimo primeiro andar de um prédio no centro da cidade; sinceramente não sei por que comprei, mas achei tão fofo que decidi comprar. Pensei que nunca fosse usá-lo e refleti profundamente sobre os impulsos do consumismo inútil; mas talvez tenha sido uma providência divina, ou apenas uma estratosférica coincidência. Pouco tempo depois acabou a luz na região central da cidade e a tempestade transformara em noite o dia.


Enclausurados naquele prédio, fomos para uma pequena sala, o único lugar que a antena do sapo sintonizava alguma coisa, e lá ficamos a escutar um pronunciamento do então presidente Lula. Pensando bem, foi só uma terrível coincidência mesmo, não creio que ficar ouvindo o Lula é o que se possa chamar de uma graça recebida por Deus. Lembro-me desse dia como se fosse hoje; quatro ou cinco pessoas reunidas em uma pequena sala escura em volta de um pequeno rádio; sentimo-nos guerrilheiros escondidos sintonizando com o mundo externo para escutar as últimas notícias e traçar as próximas estratégias.


Eu poderia ligar o rádio agora, certamente não seria possível usá-lo como despertador amanhã, mas se houver energia onde alguma emissora estiver transmitindo as ondas de rádio, poderei esperar algum locutor informar as horas. Decidi não ligar, nem mesmo quero saber as horas; descobri que, ao apagar-se a luz da vida movida a elétrons, encontrei o tempo para introspecção que há muito estava perdido; e diante desse silêncio visual, até mesmo o céu de uma metrópole pode enfim mostrar-se estrelado.

domingo, 5 de junho de 2011

Pessoas

Existem pessoas certas que aparecem no momento errado, e pessoas erradas que, por aparecerem no momento apropriado, parecem certas. Há pessoas idealizadas, de expectativas projetadas, de frustrações não preenchidas, de vontades incontidas; pessoas inteiras que recusam complemento, pessoas divididas que procuram em outro o seu preenchimento e pessoas confusas que trocam todo dia de relacionamento.  Há ainda pessoas que transcendem os desejos da carne em busca de uma verdade e pessoas que acreditam que a verdade é seguir os impulsos físicos da vontade. Há pessoas de todos os tipos, de todos os jeitos. Há, enfim, a humanidade.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Com as mãos no volante

Acordou confusa, eram cinco e meia da manhã. Não lembrava por que o celular havia despertado tão cedo, quando tudo clareou em sua mente: era hora de ir para a aula de direção. Tudo que ela queria era voltar para cama, e de se imaginar atrás daquele volante, um frio subia-lhe à espinha. Era sempre a mesma sensação, toda vez que ela tinha que ir para aula, lembrava das mudanças de marcha, tinha pesadelos com as setas e os retrovisores que lhe mostravam monstros prestes a devorar o veículo que conduzia.


Estava frio, a cabeça doía, o corpo cansado da noite mal dormida não se animava com o que estava por vir. Como de costume, ela entrou no veículo esperando que aquilo acabasse logo. Sentou, acertou o banco, colocou o cinto de segurança e ajustou os retrovisores. Assinou a papelada que o instrutor lhe entregara e ligou o carro.


Ao colocar as mãos no volante, aconteceu. O contato com o carro havia transformado seu estado de espírito, o poder daquela maquina fora conduzida ao seu corpo através de seus braços e, como uma força sobrenatural, possuíra-a. O brilho dos olhos já não era mais o mesmo, havia algo irreconhecível em seu olhar. O instrutor havia sumido. Sentia o ímpeto incontrolável de seguir adiante; uma estrada surgiu à sua frente e ela esqueceu o pé no acelerador. Nada conseguia detê-la, a vontade era do carro, ela apenas obedecia, obedecia e gostava, e quanto mais gostava, mais obedecia, quanto mais obedecia, mais a vontade do carro se intensificava e mais ela sentia. Gigantes ameaçadores sobre rodas a ameaçavam, ela ria, gargalhava, o brilho em seus olhos se intensificava e, com mais vontade, prosseguia.


Então tudo se apagou. Soltou o volante e instrutor reapareceu ao seu lado; olhou para ela e lhe disse “Tudo certo, você está indo muito bem! Vamos voltar?”. Levantou cansada, cedeu o lugar do condutor ao instrutor. Com os olhos fundos e o corpo fadigado, disse: “Não vejo a hora de isso tudo acabar.”

quarta-feira, 11 de maio de 2011

O fim das ideias

Uma das maiores preocupações da humanidade é o esgotamento dos recursos naturais severamente explorados no meio ambiente. Há quem se preocupe com a escassez do petróleo, dos recursos minerais e a falta de água; eu me preocupo com o fim das ideias. Boas ideias são mais valiosas que os minérios de ferro, tão vitais quanto a água e quase tão irrenováveis quanto o petróleo.


Quando eu abro um livro e me deparo com um belo e divertido texto, percebo que aquela foi a ideia que o autor descobriu antes de mim, poderia ser exatamente o tipo de coisa que eu escreveria, mas ele foi o pioneiro; essa ideia já não mais está disponível no mundo das ideias a serem descobertas. Quanto mais ideias são descobertas, mais eu vejo que estou perdendo as minhas; e boas ideias passaram a ser um bem tão raro que existem quadrilhas especializadas em roubá-las, porque essas são incapazes de gerá-las.


Já dizia Lavoisier que na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Mas grande parte das novas ideias já não são como reações químicas, que combinam velhos elementos para gerar um novo composto; há muito tempo essas transformações por meio da releitura não geram novos elementos, geram velhos clichês. Portanto, ao conceber uma boa ideia (que não seja uma pinga), cuide-a; pois, no real mundo das ideias, além de ser rara, nem sempre se dá a César o que é de César.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

O Cão

Quando ele entrou na sala, viram um homem de estatura mediana. Era possível observar a simplicidade em suas feições. Uma covinha na bochecha que aparecia sempre que ele sorria lhe conferia um ar de menino, ainda que os cabelos grisalhos denunciassem o auge de seus quarenta e poucos anos.

E ele estava sempre a sorrir com uma expressão que transbordava calmaria, provavelmente era um professor de filosofia. Filosofia? Não podia ser, esse tipo de aula não era ministrada ali. Quem sabe então história ou geografia? Mas geografia parecia improvável, um geógrafo dificilmente carrega em seu semblante tamanha simpatia. Geógrafos são sarcásticos e carregados de ironia, são porta-vozes de ideias pessimistas que normalmente estão sempre certas. É a classe mais realista de educadores. Aquele professor não, ele não poderia ser um geógrafo, parecia muito sonhador. Certamente era um historiador ou um literato.

Foi quando, para mais espantar, surgiu ao seu lado, como uma assustadora aparição, o próprio Cão dos Baskervilles. O simpático professor segurava, com firmeza nas mãos, mas sem a necessidade de qualquer esforço, a guia que prendia pela coleira o Cão que arreganhava os dentes e a todos assustava com aqueles olhos luminescentes. Dotado de uma voz extremamente terna e calma, disse o docente ao possuído: "Matemática, senta."

Matemática?? Como poderia aquele homem ser o portador da voz do Demônio dos demônios? De todos eles, Matemática era o mais temido. Química e Física eram cãezinhos domésticos perto dele. Dizem até que em rituais físicos e químicos a invocação de Matemática se faz necessária. Quando o intuito é apavorar alguém, basta dizer o seu nome. E lá estava o Cão postado aterrorizante ao lado do gentil professor. O pânico foi geral quando fora noticiado de que cada aluno ali presente deveria domar a fera. Aqueles que não fossem bem sucedidos seriam devorados, mastigados, engolidos, deglutidos pelo ser inominado.

Ainda que fosse amedrontador, aquele monstro era um animal totalmente domesticado nas mãos do professor. Calmo e com uma destreza invejável, ele dominava a besta como quem aninha um gatinho em seu colo. Fazia o que queria, mandava e desmandava, e nem mesmo uma dentada ele levava. Aquele homem provavelmente era perito em lidar com a arte das trevas! Explicou-lhes que não, bastava não atacar, não lutar contra o Demônio, e então Matemática se mostraria mais amistoso do que se poderia imaginar.

Pouco a pouco, os alunos foram se aproximando. Alguns ousaram tocá-lo, outros observavam de longe. O professor, cujo semblante emanava paz e tranquilidade, tentava acalmá-los e, da forma mais didática e simpática possível, mostrava a melhor forma de compreender e se aproximar do Cão. Para alguns o animal se virava de barriga para cima e pedia cócegas, para outros, os olhos luminescentes do Belzebu faiscavam ódio e exacerbavam seu desejo por sangue. Matemática não suportava insegurança, quem quer que fosse lidar com ele precisava ter força e determinação.

Ao fim da aula de apresentação, sorridente como era de costume, o professor se retirou carregando com ele o Cão de andar imponente, deixando para trás tanto alunos que descobriram que o tal Demônio não era tão assustador como rezava a lenda, quanto aqueles que, ao encarar a fera de frente, ficaram ainda mais apavorados; mas tão apavorados que, sem precisar tomar um tapa na cara, já estavam prestes a pedir para sair. E esses últimos, já sabia o Cão, nunca serão.

domingo, 24 de abril de 2011

Sistema de Posicionamento Global

Há alguns meses ele planejava comprar um carro, não aguentava mais a vida de sardinha enlatada no transporte público. Quando finalmente comprou, percebeu que não sabia locomover-se nas vias públicas por falta de senso de direção. Mas o problema poderia ser facilmente resolvido. Nada mais de guias da Quatro Rodas atualizados ano a ano. O negócio agora era o Sistema de Posicionamento Global. Ele então comprou um GPS.

O GPS era uma mão na roda, poderia-se ir para qualquer canto sem se preocupar, porque o aparelho indicaria o caminho. O GPS era ela, pois possuía uma linda voz de gravação do aeroporto, era impossível chamá-la de "ele".

- {A 300 METROS VIRE À DIREITA} - disse ela.
Ele então entrou à direita.

- {A 500 METROS VIRE À ESQUERDA, DIPOIS VIRE À ESQUERDA} - disse ela em seu estranho português.

Ele então ele seguiu o caminho indicado.

- {VIRE A PRÓXIMA À ESQUERDA, DIPOIS VIRE À DIREITA}.

- Não vou virar aqui - pensou o condutor ao volante - Essa rua é muito suspeita a essa hora da noite.

- {RECALCULANDO ROTA} ... {VIRE A PRÓXIMA À DIREITA}.

- Caramba, esse GPS tá me metendo em furada, olha os becos que ele me enfia... - disse o rapaz ao guiar tranquilamente o veículo rumo ao desconhecido. - Eu não estou gostando disso.

- {VIRE A PRÓXIMA À ESQUERDA}.

Ao ver a boca em que se enfiaria, desobedeceu-a mais uma vez.

- {RECALCULANDO A MERDA DA ROTA}.

- Hein?

- {A 500 METROS VIRE À ESQUERDA, DIPOIS VIRE À ESQUERDA}.

Ele a desobedeceu mais uma vez para certificar-se do que tinha ouvido.

- {RECALCULANDO ROTA}.

- Devo estar imaginando coisas - pensou.

- {À 400 METROS VIRE À ESQUERDA, DIPOIS ENTRE NA PRÓXIMA RODOVIA}.

- Hmmm... Eu acho que conheço esse caminho, deve ser melhor por ali - e desobedeceu o GPS.

Silêncio. Nada se ouviu durante os minutos seguintes.

- Para onde vou? Essa porcaria pifou??

- {NÃO PRECISO FALAR CAMINHO, VOCÊ CONHECE}.

- Como é?

 - {RECALCULANDO ROTA}.

- Esse GPS está com defeito.

- {SIGA POR 200 METROS E FAÇA CURVA LEVE À DIREITA}.

O condutor então virou o volante totalmente para a direita e entrou abruptamente na próxima rua.

- {EU DISSE LEVE!}.

Sem entender o que estava acontecendo com ela, o condutor resolveu reiniciar o sistema do aparelho.

- {PERDA DE SINAL GPS}.

- Vamos ver se agora essa porcaria funciona direito.

- {PORCARIA É SEU CÉREBRO QUE NÃO SABE SE LOCALIZAR}.

- Senhor... Eu bati a cabeça??

- {DEVE TER BATIDO, ISSO EXPLICARIA SUA INCAPACIDADE MENTAL}.

- Caramba! Vou desligar esse troço, ainda bem que está na garantia!

- {SE ME DESLIGAR OUTRA VEZ, VOCÊ NÃO VOLTA PARA CASA}.

- Claro que volto, tenho aqui um Guia Quatro Rodas, edição de 2007, não deve ter mudado muita coisa. Além do mais, sempre posso parar para pedir informação.

- {HAHAHAHAHAHAHAHAHA}

- Qual é a graça?

- {HOMEM PEDINDO INFORMAÇÃO? VOCÊ É BURRO, MAS ATÉ QUE É ENGRAÇADO}.

- E o que é que você sabe sobre os homens? Pela Santa Entidade Metafísica Sobrenatural... eu estou conversando com um GPS!

- {TUDO QUE SEI É QUE SE VOCÊ ME DESLIGAR, VOCÊ NÃO CHEGA EM CASA}.

- Isso é o que vamos ver.

Desligou o GPS. Só não a jogou longe porque o produto estava na garantia e precisava trocá-lo, mas não saberia explicar qual é o defeito do aparelho sem parecer um lunático. “Oi, esse GPS está com defeito, ele discute comigo e me ofende, quero trocar por outro”. É, não seria legal.

- {OI} – Disse o GPS após dois minutos.

- Eu não acabei de te desligar?

- {ESTOU AQUI PARA TE GUIAR}.

- Mas você disse que não me guiaria mais.

- {EU DISSE QUE VOCÊ NÃO CHEGARIA EM CASA, A 300 METROS VIRE À DIREITA}.

- Não viro!

- {RECALCULANDO ROTA}.

- Vou te ignorar e usar meu Guia Quatro Rodas.

- {ASSUMINDO CONTROLE DO SISTEMA, ENTRE NA PRÓXIMA ROTATÓRIA À ESQUERDA}.

- Ei! Mas o que é que você está fazendo? Pare! Eu ordeno que pare! Estou começando a ficar enjoado... vou desligar o carro! Misericórdia! Não desliga! É o carro desgovernado!  Socorro!

- {VIRE À PRÓXIMA À DIREITA, DIPOS VIRE À DIREITA, SIGA EM FRENTE POR 200 METROS E PEGUE A BIFURCAÇÃO À ESQUERDA, FAÇA UMA CURVA EM S LOGO À FRENTE, DESVIE DO POSTE, VIRE À ESQUERDA, DIPOIS VIRE À DIREITA, PASSE O LAMAÇAL LOGO À FRENTE, À 300 METROS FAÇA CURVA LEVE À ESQUERDA, À 500 METROS ATOLE O CARRO. VOCÊ CHEGOU AO SEU DESTINO}.

- Ei! Minha casa está logo ali! Ahá! GPS idiota! Cheguei em casa! Deixe-me abrir a porta e... ei! Abre essa porta! Abre logo! Pare com essa brincadeira, estou mandando! Abre essa m...

BLOSH!

- Odeio tecnologia.

domingo, 17 de abril de 2011

Baseado em fatos quase reais

A pintura preta estava intacta. Não havia na lataria um só amassado que denunciasse quem era o seu condutor. Entretanto, um único detalhe entregava as condições nas quais a máquina era guiada. O veículo sofrera algumas avarias e perdera a sua porta traseira esquerda. A cirurgia a qual foi submetido deixou sequelas e danos irreparáveis.


O possante transformou-se em um deficiente físico anômalo permanente. As portas sobrepostas em um único espaço denunciavam um tipo de polidactilia automotiva. Ao invés de um dedo inútil a mais, era uma porta inútil a mais. Já não era mais possível trafegar com a aberração negra sem a presença de um passageiro viajando no banco traseiro esquerdo com a janela aberta e segurando a porta mais externa, pressionando-a contra a interna, para evitar que ela batesse nos carros que passavam ao lado.


Ocorre que naquele dia um bêbado sentara no banco traseiro esquerdo e, cansado de segurar a porta externa, largou-a. A mesma se abriu e começou a espancar a lataria dos automóveis que trafegavam em alta velocidade, como quando, para causar tumulto, uma caneca de alumínio é arrastada de um lado para o outro nas grades de uma prisão.


O ensandecido condutor ordenava que a porta fosse segurada, mas o bêbado já não conseguia mais alcançá-la. Principalmente depois que o carro alçou vôo por passar em alta velocidade sobre uma lombada que o louco motorista não avistara porque olhava para a catástrofe causada pela porta extra. O bêbado quase foi defenestrado.


Como em uma fuga de um filme policial na sessão da tarde, o blackbird voltou a tocar o chão sem causar danos maiores à sua estrutura, deixando apenas um pequeno arranhão no pára-choque dianteiro. O condutor já não tinha mais fôlego, chegara à conclusão de que a coisa preta era amaldiçoada e já não podia mais controlá-la.


Toda aquela balbúrdia chamou a atenção de uma frota policial, que cercou o carro preto por todos os lados e todos os ocupantes que saíram de mãos para cima. Explicada a situação, os ocupantes foram liberados com um policial apto a conduzir o amaldiçoado e levar todos em segurança às suas respectivas residências, exceto o condutor, que fora algemado e conduzido pela frota policial de 20 carros para um desconhecido rumo. Os ocupantes do possante polidáctilo estavam apreensivos, viram se afastar o amigo que imobilizado dizia: “Tudo bem, essas coisas sempre acontecem comigo.”


O negão amaldiçoado foi apreendido e enviado para estudos de anomalias em anatomia veicular. O famigerado condutor foi permanentemente proibido de conduzir qualquer veículo e, para garantir que a lei fosse cumprida, foi determinado que ele ficaria trancado em uma cela isolada do contato com o mundo externo, sem previsão de soltura, a fim de garantir a segurança pública nas estradas. Fim.

A história da aula

Se alguém perguntasse qual era a razão, não haveria quem soubesse responder com exatidão. Não existia um motivo específico, não era, portanto, algo de fácil explicação, o que não tornava, de fato, o fato inexplicável. E o fato é que ele arrancava platônicos suspiros das meninas.


Nas noites de terça-feira era possível observar o fenômeno do acúmulo de garotas em frente ao espelho do banheiro refazendo toda a funilaria e pintura para se apresentarem impecáveis à tão aguardada aula. O ambiente, repentinamente, tornava-se mais bonito.


As noites de terça eram apenas o referencial conhecido daquilo que há muito já havia se tornado cotidiano. E era sempre a mesma história, não a aula de história, mas a história daquela aula.


O que tinha ele afinal? Seria o olhar o responsável pelo charme que lhe era inerente? Ou seria o sorriso? Quem sabe o seu jeito despojado e descontraído, aliado a um humor tanto inteligente quanto sarcástico? A voz, talvez. “Ele nem é tão bonito assim”, afirmavam alguns, "mas falta-lhe um pouco de cabelo", diziam outros. Não importava, era por ser ele, aquela unidade cuja parte sem o todo não faria o menor sentido.

domingo, 3 de abril de 2011

Leucócitos Bárbaros Acéfalos

Naquele corpo habitavam Leucócitos que bradavam suas espadas a cada antígeno estranho que encontravam, dizimavam toda e qualquer população vinda do exterior. Um exército forte combatente que poderia ser considerado muito eficiente não fosse um pequeno detalhe: o exército leucócito, de alguma forma, possuía em seus núcleos o DNA com genes procedentes da linhagem de Conan, o Bárbaro. Era uma força armada composta por bárbaros acéfalos e xenófobos que atacavam tudo que encontravam a sua frente.


Houve uma vez que o corpo fora invadido. O exército bárbaro de leucócitos não estava conseguindo manter o controle da situação e pouco a pouco tombavam caindo em derrota. O corpo pediu ajuda externa e foram enviados reforços de tropas Ácido Acetilsalicílicas. O exército leucócito, xenófobo e acéfalo, ao ver aquela tropa avançar, começou a matar primeiro para perguntar depois. Foi o início um imenso massacre e os próprios leucócitos eram os responsáveis pela destruição do corpo em que habitavam.


Desesperado, o corpo quase totalmente dominado conseguiu pedir socorro e mais uma tropa de ajuda fora enviada, dessa vez de um forte exército de Maleato de Dexclofeniramina. Os bárbaros então foram rendidos e o Ácido Acetilsalicílico pôde terminar sua missão com sucesso. Era quase impossível entrar em um acordo com aqueles glóbulos brancos, o exército leucócito acusava de antígeno não próprio quase tudo o que vinha de fora, fosse inimigo real ou não. Sua conduta era uma só: "seek and destroy".


As guerras internas continuavam. O corpo sofria ataques de tensão insuportáveis todo mês e o exército leucócito acabou admitindo que ele não era capaz de agir naquelas situações. Assim, para aliviar a situação, foi assinado um tratado de paz com as forças armadas Piroxicam e Paracetamol, ainda que estes não pudessem controlar as instabilidades territoriais daqueles períodos críticos.


Após os acordos e tratados de paz com os leucócitos, o corpo nunca mais entrou em guerra celular,  mas o estado de alerta é sempre mantido, pois a qualquer momento os glóbulos brancos podem se rebelar em honra à memória genética de Conan, o Bárbaro.

sábado, 26 de março de 2011

O "Emplasto" da felicidade

Certa vez li em um texto na Web a respeito da receita da felicidade e o mundo de auto ajuda presente nos periódicos que encontramos em qualquer fila de supermercado. Pensei sobre o quanto aquilo era verdade.


Observe a inúmera quantidade de revistas que podem mudar de capa sem jamais alterar o conteúdo. Receitas infinitas para emagrecer, encontrar o homem ideal e ser feliz no amor, ser imbatível na cama, ter todas as mulheres aos seus pés e ser dono de uma saúde impecável. Parece até que, se você seguir todo o passo a passo ali contido, a felicidade está garantida. É quase possível acreditar que o Emplasto Brás Cubas existe.


Vivemos em uma espécie de ditadura da felicidade, o objetivo de vida da sociedade contemporânea passou a ser a busca incessante por ela, perde-se tanto tempo nessa busca que se torna quase impossível encontrá-la. Já não é possível acreditar em felicidade sem realização profissional com situação financeira plena e estável. A partir daí vale tudo para atingir um objetivo, os meios passam a justificar os fins, o fins o começo e o começo todo o resto.


No entanto, não quero dizer com isso que deve-se acomodar com a atual situação na qual se encontra. É a eterna busca pelo conhecimento a responsável pelo crescimento. Afinal, evolução faz parte da vida desde que o mundo é mundo, ou então estaríamos até hoje reinventando a roda e batendo pedra pra ver se sai fogo.


Tentar ser feliz não é legal, é chato, todo mundo faz isso. Bom mesmo é ser criativo, ao invés de buscar receitas prontas para encontrar o Emplasto que levou o personagem de Machado de Assis ao óbito, talvez seja o caso de refletir e perceber que célebre frase assinada por Roy Goodman é de fato uma grande verdade. “Felicidade é um modo de viajar, não o destino.”

quarta-feira, 9 de março de 2011

Reunião interna, o retorno.

Era mais um dia de reunião. A decisão fora tomada pela Cabeça, o Coração estava desolado e Corpo completamente frustrado.

- E aqui estamos nós outra vez - disse o Corpo.

- Sabemos por experiência própria que é melhor que seja assim - respondeu a Cabeça.

- Eu não entendo porque é que funciona assim! - replicou o Coração.

- A culpa é toda sua, Coração imbecil! Não consegue aproveitar o sexo sem deixar o amor atrapalhar?? - Disse indignado o Corpo

A Cabeça, vendo os ânimos se exaltarem entre Corpo e Coração, usou de sua sabedoria para manter o controle da situação.

- Coração, eu entendo o que você está sentindo, mas infelizmente você é burro, todo mundo diz que devemos te ouvir, mas você é muito burro mesmo, não tem jeito. O que atrapalhou não foi o amor, o amor nunca atrapalha, o que atrapalha é a paixão descontrolada. E você, Corpo, relaxa que dessa vez você nem tem argumentos!

Enquanto o Coração chorava, o Corpo respondia:

- Do que é que você está falando?

- Ora, você nem tinha o que queria!

- Tinha sim! Eu... Tá. Você me convenceu.

- E você Coração, engole esse choro!

- Mas eu, mas mas, eu... buáaaaaaaaa

- Ah, deixa ele aí que ele para sozinho - disse o Corpo.

- Não foi fácil decidir por nós - comentou a Cabeça - mas essa é a minha tarefa, zelar pelos irresponsáveis que são vocês dois.

E assim ficou estabelecido: tenha já a Cabeça decidido, nada mais seria revertido. O Coração continua chorão, o Corpo já tem outra visão e a Cabeça está tão ocupada estudando que não sobra tempo para dar-lhes atenção.

terça-feira, 8 de março de 2011

Emputecendo uma mulher


Todo mundo sabe o quão difícil é para uma mulher tomar a iniciativa de fazer um convite. Nem tanto pela timidez, mas basta que ela comece a noiar de que o cara vai achar que ela está aos pés dele para transformar um simples convite em um martírio. Mas ela convidou, respirou fundo, decidiu que estava na hora de ela tomar alguma atitude e não esperar apenas ser convidada. Combinaram de sair na noite seguinte.


É sabido que homens gostam de mulheres arrumadas, perfumadas, bem cuidadas, mas, filho! Se você é homem e está lendo isso, saiba que ficar arrumadinha não é algo que se faça em 5 minutos antes de sair como vocês, simples e práticos, fazem.


Como toda mulher, ela já começou a pensar em que roupa vestir.  Na noite seguinte cuidou da depilação, fez as unhas, cuidou do cabelo, escolheu a roupa, a maquiagem... Que cara quer sair com uma mulher peluda, com unhas descascando da manicure de duas semanas atrás, pele mal cuidada, cabelo desgranhento? É bonito ver como ficou depois, mas todo esse processo demanda um tempo que vocês homens parecem desconhecer. Pensam que é só apertar um botão mágico e então já está tudo pronto. Ou então acreditam que as mulheres já nasceram sem pelos, de unhas feitas e cabelo arrumado. Mas... tipo, hello! Isso não vem de fábrica!


Então ela está quase pronta. O figurino está montado, faltam apenas alguns retoques: maquiagem, sapato e, claro, aplicação de um bom perfume. O processo já está quase no fim quando, com apenas uma hora de antecedência da hora marcada do encontro, ela recebe uma ligação. Ela atende, ele desmarca o encontro por uma razão qualquer e sua expressão não pode ser muito bem definida. Se alguém olhar para ela vai ver uma mulher que pode tanto estar pensando em 1001 maneiras diferentes de se torturar um homem com requintes de crueldade como pode estar calculando se xinga, se responde educadamente com ironias e sarcasmo, ou se desliga o telefone na cara do sujeito. Essa última opção demonstra total perda de compostura, então geralmente não é o que vai ocorrer.




JAMAIS, em hipótese alguma, pergunte se ela ficou brava. Se você cometeu a indelicadeza de desmarcar um encontro em cima da hora sem um bom motivo para isso (entenda como bom motivo a morte da mãe, do pai ou do cachorro) não pergunte nada. Deixe que ela desfaça toda a produção em paz e xingue muito as paredes para que vocês possam ter alguma chance posteriormente. Você pode ser perdoado por não compreender o mundo feminino e até o presente momento desconhecer que aquela mulher linda, arrumada e perfumada não se produziu apenas cinco minutos antes de você encontrá-la. Agora que você já sabe, não há mais desculpa.


Da próxima vez que marcar um encontro, se não tiver certeza, não marque. E quando pensar em desmarcar algo, não espere até que ela fique pronta, conte pelo menos umas 3 horas antes do horário marcado antes de pensar em desmarcar, de preferência, desmarque no dia anterior, ou melhor, não desmarque! Tenha a certeza que seu motivo não vale o desperdício da produção de uma gata que pode querer usá-la em outro território. Fica a dica.

Um dia a pessoa toma atitude.

- Oi, quer chocolate?

- Não, obrigado.

- Por quê?

- Não posso comer doces.

- Ah tá... quer uma bala?

- Não, obrigado.

- Por quê?

- Não posso comer doces.

- Ah tá... quer um sorvete?

- Não, obrigado.

- Por quê?

- Não posso comer doces.

- Ah tá... quer brigadeiro?

- Não, obrigado.

- Por quê?

- Não posso comer doces.

- Ah tá... quer torta de morango?

(O silêncio)

- Não, obrigado. E você, quer tomar no *?

 

sexta-feira, 4 de março de 2011

Para sempre o Platonismo

No tempo que corria um sorriso despertava a cada dia um desejo alimentado pela esperança do que não acontecia. Aquilo então que via enaltecia a vontade pelo que de fato não existia. Exacerbava com o tempo um mundo inteligível que foi embora junto ao vento no momento em que se tornava sensível.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Era uma vez...

Era uma vez uma menina aflita, ela corria desembestada, olhava para o relógio que carregava no bolso e dizia “É tarde, é muito tarde!”. O coelho, que estava descansando porque apostava corrida com uma tartaruga, pensou “Aonde essa menina vai com tanta pressa?”


Mais para trás a tartaruga continuava a correr, encontrou com um lobo que estava perdido, ele estava procurando uma menina de capuz vermelho que ele perdera de vista quando ficou tentando assoprar uma casa de tijolos. A tartaruga disse que tinha visto a menina do capuz vermelho fazia uns cinco minutos, estava conversando com duas crianças que lhe disseram que havia uma casa de doces há uns quinze minutos dali. A tartaruga voltou a correr, o lobo continuou sua busca.


O coelho perseguia a menina que corria com um relógio na mão e insistia em dizer que era tarde. “Para que essa menina está atrasada?” pensou o coelhinho. A menina desapareceu, o coelho caiu em um buraco e continuou caindo, caindo, caindo... até que chegou à Terra do Nunca. Lá ele conheceu os meninos perdidos que o levaram até uma fada que o ensinou a voar. Ele saiu voando e voltou pelo buraco onde tinha caído.


O lobo encontrou a menina do capuz vermelho na casa feita de doces, ela tinha levado os três porquinhos com ela e ela assou os três. A menina do relógio chegou bem a tempo de o banquete ser servido. O lobo se juntou ao banquete, comeu os três porquinhos assados, alguns pedaços da casa que fora servida de sobremesa e foi morar na casa de tijolos. O coelho viu lá do alto a tartaruga quase na linha de chegada, voou para se adiantar e tartaruga perdeu a corrida. Fim.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe.

Dizem que quando morremos toda a nossa vida pode passar diante dos nossos olhos. Mas não é preciso morrer para que em algum momento decisivo façamos uma retrospectiva de nossas vidas. De repente podemos sentir uma vontade incontrolável de relembrar o passado, reler cartas, e-mails, ver fotos antigas e observar as mudanças de percurso, pensar nas pessoas que entraram e saíram de nossas vidas, nos cursos que fizemos, nos estudos, trabalhos, além de tudo o que não fizemos. Tanta coisa passou, tanta coisa mudou, e fosse bom ou fosse ruim, nada ficou exatamente no lugar.


Quem nunca encontrou uma antiga carta, um e-mail, um diário e sentiu-se envergonhado por um dia ter sido capaz de ter escrito aquilo? Quem nunca olhou para o passado e percebeu que teria feito muita coisa diferente? O amadurecimento nos permite refletir, repensar e aprender com nossos próprios erros e acertos. Daqui a um, dois, dez ou trinta anos, poderemos ser capazes de olhar para os dias de hoje e ter exatamente a mesma sensação.


É observando esse percurso que percebemos o quanto já mudamos e podemos ter a certeza do quanto ainda vamos mudar. Quando um sentimento nostálgico invade a alma e toma conta dos pensamentos e emoções em todos os aspectos da vida é que a máxima de que não há mal que sempre dure e nem bem que nunca acabe se faz compreender.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A profundidade de uma poça d'água

Conforme a vida passa, a gente aprende. A gente aprende a levar a vida conforme a vida nos leva. Aprendemos a não ter com quem contar, porque o companheirismo caiu em desuso. Aprendemos a ter todos e a ficar com ninguém, aprendemos a pegar porque se apegar é errado. Aprendemos abafar nossos sentimentos, porque demonstrá-los é sinal de fraqueza e vulnerabilidade. Aprendemos a ficar sozinhos, porque nessa vida moderna tem mais valor a independência. Aprendemos a mergulhar em relacionamentos tão profundos quanto uma poça d’água, porque nela a gente não se afoga. Não que a gente queira, mas a vida leva, a vida ensina, e a gente aprende.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O mundo é todo errado

O mundo é todo errado. É tão errado que às vezes me pergunto como é que ele continua funcionando. Podemos sim dizer que ele funciona mal, mas ele funciona, ele continua e nós continuamos.


As pessoas estão loucas, não existe mais respeito, não existe mais afeto, tudo é objeto, tudo é moeda de troca. Falar de amor é constrangedor, é quase uma vergonha. Passou a ser um conceito abstrato, uma forma verbal nas poesias, um sinônimo de filme melodramático. Todo mundo usa todo mundo e ninguém ama ninguém. Não existem mais valores, existem conveniências.


O político explora o povo que explora a própria miséria e apóia a sujeira porque é nela que está acostumado a viver. Qualquer tentativa de mudar isso é como querer tirar a lama do porco. A sujeira que cai de cima nasce em baixo, é um ciclo vicioso. E o mundo continua, nós continuamos.


Quem sempre esteve na miséria continua na miséria. Subtrair de quem já não tem nada é como apenas mais um barraco inundado na enchente. Entrega-se uma bolsa auxilio e uma cesta básica que está tudo resolvido até o próximo dilúvio. Nada muda, tudo continua, nós continuamos.


Bem ou mal, seguimos nossas vidas, nossos salários valem menos, mas louvemos o crédito infinito! Mesmo “sem dinheiro" continuamos comprando roupas, sapatos, relógios, televisões, celulares com comunicação intergaláctica, computadores que se tornam ultrapassados muito antes que você possa pagar a primeira parcela e acessórios inúteis que nos proporcionam o lazer dessa vida moderna. As compras continuam, nós continuamos.


As falcatruas continuam, a picaretagem continua, as injustiças continuam, a impunidade continua e tudo continua porque é conveniente que assim seja. Quando chegar o dia em que o simples ato de ir ao bar compartilhar cerveja com os amigos ou visitar o salão de beleza para fazer as unhas e arrumar o cabelo tornar-se um luxo até mesmo para a classe média e a pinga não estiver mais disponível para manter de pé aqueles que na miséria vivem, talvez as coisas não continuem. O mundo não terá continuado. Quando ele chegar a esse ponto, ele inverteu o sentido.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Intensidade

De tudo o que se sente, de tudo que se vive, nada é para sempre. E ainda que nada seja eterno, que tudo seja intenso. É a intensidade dos momentos que se esvai no tempo e definha no passado que nos oferece o conceito de nostalgia e ensina o que é saudade.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Introdução

Você mudaria seu passado se tivesse a chance? De fato, a ideia de poder mudar certas coisas que nos arrependemos é uma solução muito atraente. Mas será mesmo que mudar o passado não afetaria o presente forma tal que na verdade o melhor seria deixar tudo como tinha que ser? Assunto muito bem abordado no filme Efeito Borboleta, é algo que atormentou e continua atormentando geração após geração.


Um momento perdido está realmente perdido porque ele não volta. Ainda que uma situação semelhante ocorra, será sempre um novo momento, afinal, que passou é história e a expressão “recuperar o tempo perdido” não passa de um mito ou uma ilusão. Aprender com os erros do passado de forma a aproveitar melhor o tempo presente e planejar o futuro não é recuperar o tempo perdido, é simplesmente viver o curso natural da vida. Mesmo porque, o presente tornar-se-á passado antes mesmo que possamos refletir sobre ele e, conforme o passar do tempo, amadurecemos em relação a determinado assunto.


Ao olhar para trás podemos perceber como faríamos tudo diferente, mas ao invés de lamentar a impossibilidade da alteração do passado, é mais útil usar a experiência como base para experiências presentes e futuras. Como talvez futuramente eu pense que eu teria escrito esse texto de outra forma e como certamente vou alterar o primeiro parágrafo dele assim que eu terminar o último. E suma, é bem provável que amanhã queiramos fazer diferente tudo que estamos fazendo hoje.


Em certo ponto é bom não ter a autonomia de mudar o passado, pois muitas vezes é fácil perceber que aquilo que parecia tão terrível foi na verdade a melhor coisa que nos poderia ter acontecido ou simplesmente aconteceu para que novos caminhos surgissem à nossa frente e, após o período de turbulência, na calmaria, percebermos que se mudássemos uma vírgula sequer do que já aconteceu poderíamos matar ou alterar drasticamente o brilhante momento que vivemos agora.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Nostalgia pouca é bobagem!

Existem aqueles amigos que nunca esquecemos. Passam-se anos, perdemos o contato, e então bate aquela saudade, momento nostalgia, vontade de rever todo mundo. É tanta correria em nossas vidas que as vezes nos esquecemos do essencial: as pessoas que realmente importam. Amigos que estiveram presentes nos momentos mais difíceis e também nos mais divertidos. Pessoas com quem compartilhei anos dentro de uma sala de aula, rindo, trabalhando, estudando... aprendendo a beber!


Quando eu estava cansada, exausta, desejando que tudo aquilo chegasse ao fim, me disseram: "Você vai sentir saudades de tudo isso". Não dei bola, mas passados três anos de minha graduação, percebi o quanto isso era verdade. Tenho saudades da correria, de estar sempre em companhia de pessoas maravilhosas, de não ver a hora de arrumar um tempinho pra escapar e matar uma aula pra encher a cara de cerveja e filosofar no bar. Conversar sobre a teoria da conspiração, a plutocracia nas artes e concluir que tudo não passa de uma questão da justificativa de gastos.


Estou nostálgica hoje e percebi o quanto algumas pessoas me fazem falta. Aos meus amigos que se identificarem quando lerem isso aqui, aquele abraço! Beijo e me liga. Vejo vocês em breve!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Tez branca

Nos caminhos tortos daquele espaço lúgubre, caminhava em passos incertos. Vislumbrou a esquina esperando encontrá-la. Tirou a garrafa de vinho que carregava no bolso de seu paletó. Embriagou-se. Fartou-se daquele líquido tinto como se bebesse até a última gota de sangue do corpo da baronesa. Cambaleou, tombou e caiu em um sonho tórpido que o arrastava para as profundezas de seus mais obscuros desejos.


A visão estava turva, percebia uma forma cheia de curvas, caminhava em sua direção. Podia vê-la, era ela. Distinguia seus rubros cabelos esvoaçantes cobrindo-lhe o rosto em contraste com sua tez branca que quase reluzia sob a luz do luar. Aproximou-se e tomou-a pelas mãos. Fê-lo com sensualidade, ele fixou os olhos em seu seio volumoso e com voracidade tomou-a em seus braços. Amou-a. Amou-a no chão úmido, encardido e marcado pelas orgias embriagadas dos becos daquele lugarejo hostil.


Sugou cada parte de seu corpo até exaurir todas as suas forças e os dois corpos desfalecidos fundirem-se em um só. Desejou-a novamente, queria possuí-la a todo instante, almejava seu coração e ela o entregara. Levantou seu punhal e abriu a tez de seda em seu seio, sujou as mãos e sangue, bebeu-o como vinho e arrancou o que lhe fora dado. Guardou-o como relíquia, possuía o coração de sua amada, ela era sua e de mais ninguém. Acordou entorpecido, ela ajoelhava diante de seus olhos com os cabelos rubros cobrindo-lhe a tez branca da face e tomava-o pelas mãos.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Andarilho

Eu confesso que nunca entendi embora sempre tenha admirado desde o primeiro instante em que conheci. No começo entendi tudo errado, até que percebi que aquela admiração era pelo que ele cativava. É bem verdade que ele era capaz de fazer suspirar as moças que atravessavam seu caminho, mas nenhuma delas era para ele e nem ele para elas. Seu amor estava além disso, ele amava o mundo e tudo que nele continha.


Aprendi a observar de longe, a sentir, não porque havia alguma ligação direta, mas simplesmente por captar a sintonia em que vibrava. E mesmo após partir, continuei observando, seguindo os passos com a mente, absorvendo o que poderia me ensinar mesmo sem saber. Uma alma que não é especial por ser diferente, é uma alma em busca de sua iluminação, de seu propósito, é especial por ser quem é.


Não compreendo os motivos, as razões e tampouco intento seguir os mesmos passos, porque o caminho que a ele pertence não chega perto do meu, nem mesmo tangencia, apesar de em um certo ponto os caminhos terem se cruzado. Mas admiro, admiro porque faz o que sabe que precisa fazer e faz sem medo, encontrou seu caminho na terra, e se não encontrou, sabe como procurar. Admiro, respeito e observo os passos de um andarilho.