quinta-feira, 30 de junho de 2011

O valor da Subliteratura

Quando se fala em leitura logo vem aquela imagem de um intelectual devorando livros de filosofia, política, alta literatura e as mais variadas ciências humanas. Não há de se desmerecer, no entanto, os livros da então marginalizada subliteratura. O entretenimento é essencial na vida do ser humano, pode ele variar de uma partida de dominó, do cinema pipoca e aquele dito "cult" até a famigerada televisão. Quanto a este, alguns optam pelo futebol, outros enveredam-se pelo caminho das novelas; ambos os quais muitas vezes são abraçados por aqueles que se esquecem de todo o resto, mas, apesar das controvérsias, tais categorias podem ser enquadradas em uma categoria artística, assunto que, aliás, seria pauta para outra intensa discussão.

Não obstante, alguns preferem se deliciar em uma envolvente viagem através do mundo dos bruxos, da fantasia, dos vampiros, da magia e dentre tantas outras aventuras por meio de uma gostosa e agradável leitura. Há ainda de se levar em conta que, para escrever uma série de livros de histórias fantasiosas, é preciso, no mínimo, exercer domínio sobre a linguagem escrita e ter uma capacidade imaginativa e criativa, além de muitas vezes fazer paralelo reflexivo análogo à realidade; características não inerentes a todo e qualquer mero mortal.

Neil Gaiman, escritor britânico, escreveu em um de seus contos, usando de metalinguagem, a história de um autor que trabalhava em seu próximo livro e redigia a respeito de sua realidade, que incluía monstros, animais falantes, casarões e maldições de família e, de repente, viu-se preso a uma rotina monótona e resolveu então escrever sobre fantasias: a nossa conhecida realidade.

"Os temas-padrão da fantasia passaram por sua mente: automóveis, acionistas, funcionários, donas de casa e policiais, conselheiros sentimentais e comerciais de sabonete, impostos de renda e restaurantes baratos, revistas, cartões de crédito, iluminação pública e computadores... [...] Tudo escapismo, é verdade [...] mas o impulso mais nobre da humanidade não é o anseio pela liberdade, o ímpeto de escapar?"

A ideia da inversão dos conceitos usada por Gaiman para descrever aquilo que muitas vezes precisamos fazer é muito interessante: escapar para um mundo dos sonhos e nele encontrar a emoção e aventura das quais muitas vezes somos privados, sem que com isso deixemos, necessariamente,  de perceber elementos comparativos e análogos ao mundo no qual vivemos.

É no mínimo curioso, inclusive, que as escolas e educadores não adotem tais livros para atrair e introduzir as crianças ao mundo literário e então despertar seu interesse para o fantástico mundo da leitura. É claro que a importância da leitura de obras mestres da nossa literatura é inegável, uma vez que por meio delas também podemos conhecer e compreender as nossas origens; mas, em contrapartida, há de se concluir que enfiar tais obras goela a baixo, transformando a leitura em mera obrigação em vez de fazer dela uma forma prazerosa de converter informação em conteúdo e conhecimento, não é uma estratégia muito eficiente.

Que venham então Machado de Assis, Eça de Queiróz e todas as leituras obrigatórias do vestibular; exploremos Marx e Nietzsche e louvemos Fernando Pessoa, Willian Shakespeare e George Orwell. Mas, ampliando o mundo regido pela ditadura da boa literatura e entrando em um paralelo comparativo, não esqueçamo-nos de que além do violino, do piano, da música clássica e erudita, existe o cavaquinho, o pandeiro, o samba e o chorinho, bem como o baixo, a guitarra, a bateria e o bom e velho Rock’n’Roll.

Referência:

GAIMAN, Neil. Coisas Frágeis 2. São Paulo: Conrad, 2010. 166 p.


sexta-feira, 24 de junho de 2011

O vazio compartilhado

A solidão pode despertar diversas sensações, mas a mais estranha consequência desse sentimento contemporâneo é a necessidade de publicação online do atual estado de espírito: “Estou deprimido”; “Nossa, como estou cansado hoje!” ou simplesmente escrever "Estou feliz". E ainda tem aquela garota que terminou com o namorado, mas precisa anunciar ao mundo, na expectativa de que apenas uma pessoa leia, a imagem de uma mulher realizada: “Estou curtindo muitooo! Esse fim de semana promete!”.


Há também a necessidade de compartilhar o espírito de porco de dizer que encheu a cara no fim de semana, com um orgulho besta de seu grande feito acoólico, ainda que não tenha acontecido de fato: “A festa de ontem foi muito foda! Bebi muito!”; e de preferência mensagem é publicada com uma foto do sujeito acompanhado da cachaça.


Desabafar o cotidiano nessa forma de palavras aleatórias, concatenadas sem a formalidade lógica da linguagem escrita, não é uma prática recente, ainda que nos tempos de outrora houvesse um sentido de introspecção um pouco mais amplo. E naquele tempo era comum o uso do diário, aquele caderno cheio dos segredos mais obscuros de um indivíduo escritos de forma desordenada como os pensamentos, e que ninguém deveria saber, mas estavam ali para ser descobertos e lidos em um livro pessoal.


Com a globalização virtual, não existem mais mistérios a serem descobertos ou segredos a serem revelados, o diário caiu em desuso. Originou-se esse universo paralelo de explosão de introspecções superficiais, um compartilhamento de pensamentos vazios e escancarados que ninguém está interessado em saber; a internet virou um grande espaço para verdadeiros monólogos virtuais; um mundo de vazio propagado, cheio de ações sem reação, onde todos querem falar, mas poucos querem ouvir.

sábado, 18 de junho de 2011

Na órbita dos 30

Passar dos 25 anos não é muito assustador, aos 26 é fácil pensar que ainda se está próximo dos 25, que está na casa dos 20. Ao fazer 27, você percebe que se distanciou um pouco mais, mas é ao alcançar os 28 anos que a realidade dos 30 começa a ficar palpável; a partir daí o tempo passa em movimento uniformemente acelerado.


Enquanto corre o tempo, as crianças começam a lhe chamar daquele pronome o qual é usado para designar o irmão do seu pai, mas não é esse o fator que denuncia que você está envelhecendo, afinal, os pequenos chamam de tio/tia qualquer um que seja maior do que eles. O seu envelhecimento está, na verdade, proporcional e diretamente ligado ao número de fatos históricos marcantes que você vivenciou.


Eu havia acabado de nascer quando estudantes já lotavam ruas e praças pelo movimento Diretas Já; em 1989 ainda estava no auge dos meus 6 anos de idade quando houve a primeira eleição direta para presidente no país após a ditadura militar; lembro-me de brincar com as revistas e jornais de meus pais quando vi anunciada a vitória de Fernando Collor de Melo, com a foto do mesmo sentado em uma poltrona preta. Era comum ligar o rádio e volta e meia escutar notícias que mencionavam fatos da Guerra Fria, até noticiarem a queda do Muro de Berlim no mesmo ano.


Foi ao fim dos meus 8 anos que eu ouvia quase todos dias na TV a célebre frase "Invente, tente, faça um 92 diferente" da vinheta que precedia a 2ª Conferência Internacional sobre o meio ambiente, a Eco 92, que deu origem a todos os exageros do marketing do ambientalismo e desenvolvimento sustentável com que somos hoje bombardeados. E ainda tem aquele famigerado plebiscito de 1993, quando a população deveria decidir o sistema de governo do Brasil, em uma tentativa de reinstaurar o regime monarquista no país.


Parece que foi ontem que dois aviões atingiram as Torres Gêmeas nos Estados Unidos; mas, para mais me espantar, eu ainda tinha 18 anos quando acordei naquela tenebrosa manhã de 11 de setembro para ir ao cursinho pré-vestibular. E essa galera que nasceu em 92-93? Hoje já é maior de idade e não tinha nem 9 anos na época; esse deve ser o primeiro fato histórico marcante de que essa moçada consegue se lembrar. Os últimos 10 anos passaram com uma velocidade tão assustadoramente rápida que mais assustador ainda é pensar o que será dos próximos 10.


Cheguei aos 28; daqui para os meus 30 será um estalo de dedos e não demorará muito para que eu perceba que escrevi esse texto há anos atrás.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A luz da vida

A luz acabou; sinto-me perdida. Ao meu lado, um pires com uma vela acesa; em minhas mãos, um caderno e uma caneta; e, na cabeça, uma ideia a ser transposta para o papel. Em momentos como esse, percebo a dimensão da dependência que temos da estrutura urbana. A bateria do meu celular está esgotada, não há meios de recarregá-lo e o único relógio que não depende de energia elétrica que tenho disponível agora é um de bolso movido a corda; levando-se em consideração que eu raramente lembro de dar corda nele, eu não sei que horas são e tampouco imagino o que é que vai me acordar amanhã na hora certa para trabalhar.


Estou com fome, o microondas não funciona e esquentar um prato de comida no fogão não é muito prático; terei de aquecer a comida toda que, por sinal, ainda está intacta; situação que não deve manter-se inalterada caso a energia não volte em breve, porque a reserva perecível de minha residência não está seca e embebida no sal para sobreviver mais que um dia sem a geladeira. A noite está fria, eu poderia dramatizar dizendo que nem um banho quente pude tomar, mas meu chuveiro é a gás; tudo bem que o aquecedor é movido a pilhas e, quando descarregadas, sem energia elétrica, adeus água quente encanada.


Lembrei que tenho um rádio à pilha; há muito tempo não o uso, afinal, meu celular tem tudo de que preciso e mais um pouco, pena que ele é inútil agora. Comprei esse rádio em forma de sapo na 25 de março há alguns anos quando eu trabalhava no trigésimo primeiro andar de um prédio no centro da cidade; sinceramente não sei por que comprei, mas achei tão fofo que decidi comprar. Pensei que nunca fosse usá-lo e refleti profundamente sobre os impulsos do consumismo inútil; mas talvez tenha sido uma providência divina, ou apenas uma estratosférica coincidência. Pouco tempo depois acabou a luz na região central da cidade e a tempestade transformara em noite o dia.


Enclausurados naquele prédio, fomos para uma pequena sala, o único lugar que a antena do sapo sintonizava alguma coisa, e lá ficamos a escutar um pronunciamento do então presidente Lula. Pensando bem, foi só uma terrível coincidência mesmo, não creio que ficar ouvindo o Lula é o que se possa chamar de uma graça recebida por Deus. Lembro-me desse dia como se fosse hoje; quatro ou cinco pessoas reunidas em uma pequena sala escura em volta de um pequeno rádio; sentimo-nos guerrilheiros escondidos sintonizando com o mundo externo para escutar as últimas notícias e traçar as próximas estratégias.


Eu poderia ligar o rádio agora, certamente não seria possível usá-lo como despertador amanhã, mas se houver energia onde alguma emissora estiver transmitindo as ondas de rádio, poderei esperar algum locutor informar as horas. Decidi não ligar, nem mesmo quero saber as horas; descobri que, ao apagar-se a luz da vida movida a elétrons, encontrei o tempo para introspecção que há muito estava perdido; e diante desse silêncio visual, até mesmo o céu de uma metrópole pode enfim mostrar-se estrelado.

domingo, 5 de junho de 2011

Pessoas

Existem pessoas certas que aparecem no momento errado, e pessoas erradas que, por aparecerem no momento apropriado, parecem certas. Há pessoas idealizadas, de expectativas projetadas, de frustrações não preenchidas, de vontades incontidas; pessoas inteiras que recusam complemento, pessoas divididas que procuram em outro o seu preenchimento e pessoas confusas que trocam todo dia de relacionamento.  Há ainda pessoas que transcendem os desejos da carne em busca de uma verdade e pessoas que acreditam que a verdade é seguir os impulsos físicos da vontade. Há pessoas de todos os tipos, de todos os jeitos. Há, enfim, a humanidade.