sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Por que escrever? (Dia do blog)

Hoje é dia do blog. Quantos blogs existem por aí? Milhares? Milhões? Uma infinidade deles expressando coisas úteis, fúteis, inúteis, agradáveis, desagradáveis, com ideias, vazios, engraçados, deprimentes, tristes, alegres, desenhados, escritos, poéticos, prosaicos. Palavras; significantes e significados. O meu é mais um, eu sou mais uma. Por que tantos escrevem? E por que eu escrevo? Talvez eu pudesse responder com propriedade ao menos a segunda pergunta, mas nem para esta posso desenvolver uma resposta satisfatoriamente clara.

O mundo virtual acabou abafando o antigo diário – tão íntimo, tão reservado – e escancarou-o ao mundo, milhares de ideias, pensamentos, divagações são jogadas na rede e compartilhadas para quem quiser ler, ver ou ouvir. Se antes era preciso conseguir um livro publicado ou arrumar espaço no jornal para se expor literariamente, hoje basta ter uma ideia na cabeça e acesso à internet.

Eu não sei por que escrevo, por que compartilho minhas ideias mesmo sabendo que poucos lerão, e destes, um número menor ainda vai absorver alguma coisa. A tecnologia, no entanto, permitiu-me tirar meus pensamentos de dentro da minha cabeça, ou alguns deles, passíveis de registro, e jogá-los ao vento, para alguém pegar ou simplesmente para estar à disposição de quem quiser fazê-lo, mesmo que ninguém o faça; sejam minhas angústias, sejam as minhas reflexões, sejam minhas opiniões, meus contos ou crônicas, eles estarão por aí. Acho que percebi que é egoísmo guardar minhas impressões só para mim, bem como é inconveniente forçá-las a quem não quer recebê-las. Acredito que é por isso que escrevo e publico, as ideias que consigo (e quero) registrar são servidas para a degustação daquele que quiser provar.

Já dizia Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa, em seu Livro do Desassossego: “Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir”. E assim escrevo; desabafando, opinando, criando, construindo e desconstruindo. Seja bem vindo ao meu mundo em comunhão com nossos mundos (unsere Welten) – ao entrar nele, o fará por sua conta e risco – puxe a poltrona, deixe o encosto na posição que lhe aprouver, afrouxe o cinto, sirva-se do chá, dos biscoitos e boa viagem.

Art Poétique (Fragmento II)

Diário de viagem sem viagem
ou carta sem nenhum destinatário:
palavras que, no máximo, interagem
com outras palavras do dicionário.
Um escrever que é verbo intransitivo
que se conjuga numa só pessoa.
Um texto reduzido a substantivo
menos que abstrato: se nem mesmo soa,

como haveria de querer dizer
alguma coisa que valesse o vão
e duro esforço de fazer sentido?

Por outro lado, a coisa dá prazer.
Dá uma formidável sensação
(mesmo que falsa) de estar sendo ouvido.

(Paulo Henriques Britto)

Feliz dia do blog. Já começou o seu?

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A tristeza é parte de nós

A tristeza é parte de nós, da nossa natureza mítica, trágica. É através dela que somos capazes de reconhecer o que é felicidade. E quando a dor aflora, ela nos acompanha por determinado tempo até que, sozinha, ela se dissolva e se dilua, deixando apenas uma lembrança de algo longínquo. Até lá, o sofrimento persiste, faz parte do dia a dia e acabamos aprendendo a lidar com ele. Um sorriso não significa, necessariamente, serenidade ou alegria, ele pode representar a necessidade de continuar, sem se entregar por inteiro à tristeza que nos consome por dentro. E quando, de repente, as lágrimas voltam a cair, não é mais uma recaída, é apenas a válvula de escape para a pressão interna causada pela dor crônica. Não há tempo certo para cessar as dores, acalmar as angústias, não há palavras certas que resolvam; tampouco as frases e discursos do senso comum ajudam, pelo contrário, machucam.


Quando minhas lágrimas vierem, deixem-nas em paz; preciso libertá-las. Ainda que essa dor não esteja cessando com a rapidez que você imagina ou acredita que deveria acontecer, não tente me mostrar a realidade, fazer-me cair na real com duras palavras, mesmo que você se importe comigo e que me ver sofrer doa no seu coração. Agradeço a preocupação, o carinho, mas tenho conhecimento prático dessa dor e sei que não dura para sempre, e mesmo assim preciso mergulhar nela sem reservas. Não me diga que não vale a pena, que é preciso seguir em frente e esquecer, eu sei que isso é verdade, mas eu não quero ouvir, não agora, não consigo ouvir sem que isso seja um espinho cravando fundo na dor. Simplesmente esteja aí, me ofereça seus ombros, seu abraço, seus ouvidos e, se for me oferecer palavras, que sejam para tentar arrancar algumas risadas do meu pesado semblante.


A esperança, normalmente ilusória, é, muitas vezes, necessária enquanto a dor persiste, como um analgésico para aliviar um tormento constante; ela, como dizem, é a última que morre, mas ela morre, e a tentativa de forçar a sua morte apenas cutuca uma ferida aberta. Um dia ela morrerá naturalmente juntamente com o sentimento que a alimenta; por enquanto ela está em coma, sobrevivendo de lembranças e até o momento que ela vá embora sem que seja preciso fazer a eutanásia. A visão externa é sempre mais clara e fácil do que aquela de quem está vivenciando a dor, mas não é possível forçar a visão de ninguém. Apenas o tempo pode agir, não dê conselhos os quais você mesmo não seria capaz de seguir.


Eu sei, eu já vivi, eu me lembro do que já sofri, e racionalmente sei que a gente sempre supera. Quem não tem memória é o coração, ele parece ignorar a razão e os fatos. Mas, um dia, quando este estiver novamente inteiro e a saudade não for uma faca afiada e cortante, me lembrarei de tudo e serei capaz de narrar mais essa etapa da minha história referindo-me a mim em terceira pessoa, com a visão de quem sofreu, superou e, mais uma vez, aprendeu. Quando esse dia chegar, poderei me libertar da máscara que uso e da personagem que interpreto diariamente para satisfazer a necessidade que a sociedade tem de receber o meu sorriso.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A ti que quase esqueci

Há alguns anos eu te observava chegar. Teu carisma, teu jeito bem estranho, teu sorriso, de alguma forma, faziam meu coração descompassar. E então o descompasso foi passando, e o ritmo se acalmando. Mas eu continuava a te observar, a sentir sua ausência, sua presença, até que caístes no mundo para então não mais voltar. Não fazes parte da minha vida, não és nada meu, e eu continuava a pensar na estranha ligação ainda me fazia te acompanhar em pensamento. Não era paixão, nunca foi; não era amor, nunca será. Por muito tempo acabei te esquecendo, e volta e meia teu nome saltava à minha mente, e nada mais significava, mas ainda havia algo, havia alguma ideia que pairava no ar. Fostes a primeira pessoa que não entrou na minha vida e, assim mesmo, tanto me ensinastes sem sabê-lo. E, sem desejo de te ver, agradeço tua presença mínima, os dias em que olhares cruzaram e me fizeram compreender parte da essência humana. Há anos que não te vejo, do teu rosto eu quase esqueci, mas do teu abraço, não esqueço cada toque. Desisti de entender, de buscar razões e me perguntar se eu ainda iria te reencontrar. Importa apenas que és, e sempre será, aquele estranho andarilho que me fez parte sem entrar.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Um dia de chuva

Um dia chuvoso, uma livraria fechada e dois sorrisos iniciantes. Um beijo no rosto seguido de um tímido abraço. Dois guarda-chuvas caminham pela rua a procura de cadeiras. Eles se fecham e os cotovelos se apóiam na mesa, os olhos se encontram e uma afinidade se estreita. As bocas produzem sons, as mãos seguram copos, os olhos se comunicam e os pensamentos se conectam na fluidez natural da noite. Os cotovelos saem da mesa, os guarda-chuvas se abrem e andam lado a lado prolongando a agradável conversa ao longo do caminho até a despedida, outro beijo no rosto, mais um abraço e a agradável sensação de uma amizade nascente. Alguns dias, algumas semanas e um novo encontro. Um cruzar de olhares, uma conexão de ideias e um encantamento. O desejo de outro encontro, dias de expectativas e mais conversas. Outro dia, outro encontro, uma deliciosa troca de palavras e um beijo na boca, um prolongado e quente beijo. Mais encontros, toque de mãos e entrelaçar de dedos. Mais beijos, mais conversas e mais desejos. Uma hesitação, um medo e uma sucessão de medos. As mãos se separam, os olhares se desviam, a saudade aperta e as lágrimas se libertam.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Valores (não tão) humanos


Muitos que vivem merecem morrer. E alguns, que merecem viver, morrem. Você pode dar-lhes a vida? Então, não seja tão ávido para condenar à morte em nome da justiça[...]


(Gandalf em O Senhor dos Anéis) J. R. R . Tolkien



Há alguns dias li a notícia sobre a morte de uma pessoa a qual não me era desconhecida. Não se pode dizer que éramos amigos, mas conversávamos, vez outra, rapidamente, conversávamos. Ora falando bobagens, ora resolvendo assuntos de trabalho e, às vezes, até me oferecia carona para casa. Nada demais, apenas mais uma daquelas pessoas do expediente de trabalho que faziam parte do dia a dia; não me despertou grandes afeições, mas, tampouco, merecia meu desprezo. Não me interessava saber os meios nos quais ele estava envolvido. Era mais um vendido? Outro corrupto? talvez, mas ainda assim, uma pessoa a qual eu via sorrir e a ele eu retribuía o sorriso e o bom dia de cada dia. Para alguns, apenas mais uma notícia de jornal, para outros, mais um que já foi tarde. Para mim, a sensação, incômoda, foi um pouco mais humana do que isso.


Houve um assassinato, uma execução. Queima de arquivo? Talvez. Não há provas. Mas não é preciso ser muito esperto para saber que ele estava envolvido com algo que não deveria estar e pagou um preço muito alto por isso, um tiro que o derrubou e outro que terminou o serviço quando ele, já quase sem vida, jazia no chão. Uma morte merecida? Eu não ousaria julgar, vivemos no limite entre o bem e o mal e, muitas vezes, esses dois opostos se misturam, convivem dentro das coerções sociais. Quem já assistiu Crash – No Limite, é capaz de entender do que estou falando.


O mundo não é dicotômico, tampouco as pessoas o são. E aquela, que agora jaz embaixo da terra, não era uma exceção. Se por um lado havia um homem envolvido em questões políticas, corruptas, que vendeu sua alma, por outro lado havia outro homem coexistindo com aquele; um marido, pai de família, amigo, bebedor de cerveja. Era, enfim, um ser humano do qual não se conhece as razões que o levou a envolver-se com o que não devia, e que deixou para trás aqueles aos quais ele era caro.


Não, sua condição de pai, marido e amigo não o eximia de qualquer um de seus possíveis desvios de conduta. Mas não está em minhas mãos, nem na de ninguém, julgar o destino da vida ou morte de um homem o qual não era apenas mais um que se estacava exclusivamente no pólo negativo da dicotomia bem versus mal. Sua vida valia mais que um silêncio forçado. Se ele tinha que pagar por alguma coisa, que não fosse, necessariamente, com a própria vida. E, se ele buscou a própria morte, resta-nos lamentar humanamente a sua escolha, e não vibrar com ela.


Mas era mais uma notícia de jornal, a ninguém interessa o que ele talvez soubesse, menos interessante ainda é a investigação para descobrir quem de fato queria vê-lo silenciado. Afinal, é mais um que já foi tarde, o resto não conta. Enquanto outros continuarão a ser silenciados, as nossas vidas seguem seu rumo em um completo silêncio resignado.


Descanse em paz, Orlando.

domingo, 19 de agosto de 2012

A vida através dos filmes

Já dizia Oscar Wilde que a "a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida". É verdade, até certo ponto. É fácil se identificar com personagens, cenas de filmes, ou imaginar-se nelas. A vida, inclusive, tem trilha sonora. Sofremos, imaginamos situações como nos filmes. A diferença é que, no filme, muitas vezes o final feliz é o esperado, ao passo que, na vida real, podemos até ter um "final" feliz para determinada história, mas ele não está escrito, e provavelmente não será aquele que desejamos no momento para sanar a dor que nos envolve.


Por muito tempo esperei ganhar as farinhas de "Mais estranho que a ficção", tão doces, tão significativas, tão cheias de "Eu quero você". Eu esperei, mas não ganhei, porque a vida não é, exatamente, como um filme. No entanto, há um quê deles em nossas vidas.







Ah... quem dera saber que, como em "Alguém tem que ceder", após o pranto de Erica Barry (Eu? Ah, não. Diane Keaton) , o seu amor se tornaria concreto, o almejado final feliz, afinal, aconteceria. É impossível enxergar, no momento da dor, qualquer outro "final" que não aquele que desejamos. Nisso, a vida diferencia-se dos filmes. Tudo que sei é que, como ela, eu deixei alguém entrar, e tive aquele momento; agora tenho as lágrimas.







Eu tentaria mudar meu passado, se a vida fosse como em "Efeito Borboleta", e talvez eu descobrisse que mudar algo poderia atrapalhar, e muito, o presente e o futuro. Mas eu não saberia disso, e arriscaria. Eu tentaria apagar a causa da minha dor, mas a vida não é um filme. Eu não posso apagar o dia em que conheci alguém, tampouco os momentos mais perfeitos que vieram logo após. Talvez nem fosse justo apagar, por mais dor que ele me cause, acabo apegada a esse sentimento porque, de alguma forma, ele ainda me dá esperança, esperança de que algo ainda não morreu, até que, naturalmente, ela morra juntamente com o sentimento que a alimenta.







Se eu daria à minha cabeça um "Brilho eterno de uma mente sem lembranças"? Talvez... lembranças... quase impossível viver com elas, impossível viver sem elas. São elas que proporcionam a saudade... sentimento tão lindo, tão poético, tão cruel.







A vida imita a arte, a vida imita filmes, ou parte deles, e compõe um quebra cabeça único. E agora, tudo o que tenho é o desejo de não esquecer.







"– Acabou. Vou voltar para casa.


– Não! Você não pode… Pare! Não vá embora, por favor! Ninguém nunca ficou comigo por tanto tempo. E se você for… se você for embora… com você eu me lembro melhor das coisas, é verdade! Ouça! P. Sherman, 42… 42... eu me lembro, eu juro, está aqui! Eu sei! Eu sei porque, porque… porque quando te vejo, eu posso sentir. E quando olho para você eu… me sinto em casa. Por favor, não quero perder tudo isso, eu não quero esquecer.


– Me desculpe, Dory, mas eu quero."

Mais uma carta para você

Olá, há algum tempo não lhe escrevo. Há meses que eu não me preocupava em quando você viria, eu sabia que em algum lugar você estava, então bastaria deixar o tempo encontrar a oportunidade de unir nossos caminhos. Ocorre que deixei mesmo de escrever porque julguei tê-lo encontrado. Eu não tive dúvidas que era você e deixei-o entrar. Ele entrou e ocupou lugar destinado a você, me entreguei a ele sem reservas, e agora escrevo para pedir que não apareça, não agora, pois se você aparecer, não saberei reconhecer, não há espaço para você aqui dentro, meu coração não está livre. Por favor, não venha, não enquanto eu não liberar o espaço, e eu não sei quando isso vai ocorrer. Poderá levar meses? Anos? Eu não sei, para falar a verdade, no momento não estou nenhum pouco preocupada com a sua existência, simplesmente porque eu quero, eu desejo que ele seja você.


Sabe, ele chegou devagarinho, não me despertou uma paixão fulminante, e então conquistou meu carinho, meu afeto, aproximou-se pelas ideias, encantou-me pelo olhar, e então tocou meu coração. Por um momento te reconheci e, sem medo, deixei-o entrar, era você afinal. E então ele foi embora. Por que você demorou tanto? Por que deixou que eu me enganasse tanto e alguém ocupasse seu lugar aqui dentro? Eu não faço ideia de como tira-lo daqui, não suporto essa dor e não consigo me livrar dela. Eu não sinto sua falta, sinto a falta dele. Isso tudo é culpa sua, se tivesse aparecido no lugar dele eu não estaria sentindo tanta dor, e dói tanto que nem os livros, meu maior escape, conseguem me fazer esquecê-la por um único momento.  Eu trocaria, se pudesse, essa mazela pelas piores cólicas que já tive, pelas piores enxaquecas, por uma dor de ouvido insuportável, por um soco no estômago ou por um osso quebrado. Mas eu não posso, essa dor é minha e só eu posso conviver com ela. Então fique longe de mim, não apareça, eu não quero saber de você, não agora, não hoje.


Sem mais. Até, talvez, um dia.

sábado, 18 de agosto de 2012

O diálogo entre o Corpo, a Cabeça e o Coração

Dessa vez o Coração quebrou em diversas partes, sua dor era tanta que o Corpo e a Cabeça se calaram diante dele por alguns instantes. Ele chorava, soluçava, não conseguia ver adiante, tudo parecia acabado. Nem a Cabeça ousara intervir, até ela havia se enganado. O Corpo, que nunca havia sentido tanta sintonia antes, também não entendia, lamentava a ausência do que lhe causara tanto prazer. Todos estavam de acordo. Dessa vez, portanto, não haveria erro. No entanto, todos foram surpreendidos, todos ficaram arrasados.


– Coitado do Coração – dizia a Cabeça – normalmente ele é burro, mas dessa vez nem o culpo. Eu que não sou sentimental consegui me envolver completamente. Nunca antes tínhamos agido em pleno acordo.


– E eu que estava quieto, não fui o carro chefe da ação como costumava ser (o que, aliás, nos causava sérios problemas) – prosseguiu o Corpo – Apenas observei de longe, vi você, Cabeça, tão envolvida intelectualmente que, quando o Coração acordou daquele longo sono e a passou bater cada vez com mais força, comecei a me agitar.


– Ta doendo pra caralho! Alguém acaba com isso, por favor! Eu não aguento mais essa dor! Preciso de paz – interrompeu o Coração, soluçando.


– Calma, Coração, isso passa, você já se quebrou assim antes. – respondeu solidária o Cabeça.


– Passa? Eu não tenho memória! Não lembro mais como era sentir tanta dor, não pensei que pudesse doer tanto, ta doendo, e nada faz passar…


– É porque você não pensa, mas eu lembro, Coração, e como lembro. Sofri para tirar você daquela situação, naquela época eu estava meio fraca, não me alimentava bem, por isso foi tão difícil. Mas foi a única situação que te vi desse jeito, tão machucado. Eu não tinha forças para te resgatar.  Mas, ai, eu te entendo... quando outra vez vou poder ter conversas e discussões tão agradáveis com alguém que ao mesmo tempo se conecte com vocês dois? Mas hoje eu sei, hoje eu sou forte, e vou nos guiar para fora dessa escuridão. Eu vou tirar você dessa, Coração…


– Vocês não fazem ideia da falta que sinto daquela pele… – disse o Corpo.


– Corpo, você não está ajudando. Esquece que o Coração se entregava completamente quando você entrava em ação?


– Eu sinto falta de tudo – falou o Coração – daqueles olhar, daquele abraço, daquele sorriso… ah, o olhar tão sincero… eu me enganei? Não! Não posso ter me enganado tanto, não desse jeito, não depois do que vi e senti…


– Todos nós nos enganamos – respondeu o Corpo – mas é claro que a culpa principal é de vocês. Ficaram com tanto mimimi de sentimentalismo e excitação por compatibilidade de gênios que até eu me empolguei. (E acho que nunca me empolguei tanto na vida!)


– Ah, cale-se, Corpo. Ninguém é mais ou menos culpado aqui, nós estávamos em acordo, ninguém pensou que isso poderia acontecer (nem eu, que sou o único que penso nessa família!) – retrucou a Cabeça.


– Parem vocês dois! Eu só quero paz, só quero parar de sentir essa dor. Eu não me enganei! Eu sei que não.


– Coração, eu sei que você está sofrendo, mas, entenda… acabou. Você vai ter que superar isso.


– Não, não acabou, não ainda, eu não acredito nisso! Eu não me enganei, eu sei o que eu vi…


– Eu sei que continuo cheio de desejo aqui, é tudo que sei. – disse o Corpo.


– Eu sou o único que pensa aqui, eu sei que uma hora isso vai acabar, e um dia estaremos prontos pra outra, de novo.


– Você não sabe de nada, Cabeça, você não sente, e a razão nem sempre é a dona da verdade.


– Tudo bem, Coração, você tem que passar por isso, não adianta eu falar. Com o tempo você vai se recompor e aceitar a realidade.


– Cala a boca! Eu não quero ouvir, eu vou continuar esperando enquanto eu tiver forças!


– Com licença, vocês dois, eu vou dormir um pouco, ok? Assim eu descanso, a Cabeça desliga e o Coração para de sentir. Até mais.


Algumas horas depois…


– Mas o quê..? Oh não… Cabeça, por que você me acordou? Eu ainda estou exausto!


– Não consigo parar de pensar, ainda espero conseguir entender… Coração, como você está?


– Ele não está respondendo – disse o Corpo.


– Eu… me deixem, não tenho forças – respondeu o Coração.


– Sem sua energia eu fico fraco, Coração, eu preciso que você seja forte… – lamentou o Corpo.


– Só me deixe aqui quieto…


Pela primeira vez a Cabeça não assumia total controle. Desolada diante da situação, restou-lhe apenas dizer:


– Bom, tudo o que me resta agora é cuidar de vocês dois…

domingo, 12 de agosto de 2012

O fotógrafo e a câmera

Certa vez li um texto muito divertido intitulado “Como irritar um fotógrafo”. Dentre várias opções da lista, que vão de pedir ao fotógrafo para ver como a foto ficou, falar para ele tirar outra e elogiar a câmera ao invés da capacidade do fotógrafo, esta última é a mais irritante. Não há nada que desabone mais o trabalho de alguém do que atribuir a sua capacidade ao equipamento. Entretanto, ferindo o brio de muitos fotógrafos, não dá para negar que a câmera seja importante. Para esclarecer melhor a situação, um fotógrafo estará mais capacitado com uma compacta em mãos do que um Zé Rodela que esteja usando uma Canon 5D –  ou uma 1D (que sonho!) – mas não dá para negar que um excelente fotógrafo terá um leque muito maior possibilidades para explorar sua criatividade se puder usar um equipamento "fuderoso" como esses.




[caption id="attachment_1652" align="aligncenter" width="360"] Imagem retirada do Facebook.[/caption]

É claro que o bom profissional tira leite de pedra com um equipamento precário, mas ele se assim o faz, o que não seria capaz de fazer com o melhor equipamento em mãos? Eu sempre pergunto a um fotógrafo que equipamento ele usou, não por desvalorizar sua capacidade criativa, mas para saber quais os recursos ele tinha disponíveis no momento daquela foto. Ontem saí para fotografar, minha máquina está obsoleta, mas, claro, sou capaz de fazer ótimas fotos com ela. No entanto eu sentia falta de uma full frame, lentes grande-angulares, ou zooms capazes de abrir muito o diafragma; eu vislumbrava imagens para as quais minha máquina não tinha os recursos necessários. Se eu preciso aumentar o ISO para 3200 com minha reles Canon Rebel XS (de CCD porque já passou das 200 mil fotos), não posso, ela é limitada a míseros 1600. E eu vi uma garota aprendendo a fotografar com uma Canon 5D Mark III, último lançamento da linha 5D. Dá para não pensar no que poderia ser feito com aquilo se souber fazê-lo? (Mas, é sempre bom lembrar, somente quem sabe fotografar tem o direito de perguntar qual o equipamento usado!)


Os fotógrafos orgulhosos que me desculpem, mas se é para falar de capacidade independente do equipamento, quem merece as honras são aqueles que fotografavam com analógicas. Fotografar com analógica é arte, trabalhar no laboratório P&B é poético, já fotografia digital atende à atual rapidez do mercado. Alguém consegue conceber o que era fotografar um show de rock tendo que trocar inúmeras bobinas de filme fotográfico? Para eles eu tiro meu chapéu.


Resumo da ópera: de nada adianta uma Ferrari nas mãos de quem não sabe pilotar, mas não dá para colocar em pé de igualdade de competição dois excelentes pilotos os quais estejam um com uma Ferrari e o outro com um Fiat 57.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O Facebook e o Lugar Comum

Senso comum é todo e qualquer conhecimento, com origem em práticas ou experiências sociais, continuamente propagado, sendo aceito pela maioria e questionado por poucos. Sabe-se porque se sabe, porque, oras, todo mundo sabe. É confortável acomodar-se nesse lugar comum, questionar dá um pouco mais de trabalho. O mais intrigante é que até algo que um dia foi questionamento a um senso comum, pode acabar virando outro, instaurando-se nesse lugar de sensos tão comumente aceitos. Isso pode se dar, inclusive, pela simples e pura análise de fatos e posterior conclusão por silogismo.


Na questão política, é senso comum apontar o dedo para a corrupção, dizer que político é tudo igual e reclamar do ônus que isso causa à população. Há, no entanto, o questionamento deste comportamento, dizendo que não se tem o direito de reclamar, uma vez que é de responsabilidade popular a escolha de seus representantes através do voto. Silogisticamente, temos: a população escolhe o seu governante, dessa forma, aquele que conquistou o poder só o fez porque os eleitores permitiram, logo a culpa é da população e não dos políticos.  Entretanto, essa conclusão puramente lógica, baseada em duas premissas, também se tornou mais um conhecimento amplamente propagado e pouco questionado. Para um onda de reclamações sem qualquer ação ou reação existe uma oposição simples e sem aprofundamento sobre o assunto. É fácil observar esse comportamento no Facebook; as redes sociais facilitaram, e muito, a propagação em massa de ideias prontas e encaixadas no lugar comum.


Sair do desse básico dá um pouco de trabalho, ele é a porta de mais fácil acesso à zona de conforto. O ato de abrir outras portas exige um esforço de análise, que pede mais do que apenas um clique no botão “compartilhar”. O primeiro passo seria, talvez, além de usar o simples “compartilhar”, passar também a comentar, ou compartilhar comentando, ou, ainda, simplesmente ter um pouco mais de critério nos compartilhamentos. O ato de comentar não serve para simplesmente concordar ou discordar, mas para expor alguma ideia, discutir, complementar ou divergir daquilo que foi exposto. Essa poderia ser a forma mais construtiva de troca e interação no mundo virtual, fazendo jus à poderosa ferramenta que é o Facebook, tão mal visto por alguns devido ao seu mau uso por outros.


No caso do exemplo citado – no qual podemos observar as diversas imagens criadas e propagadas na rede social para divulgar uma mesma ideia não muito profunda sobre o comportamento da população em relação à corrupção, em oposição àquelas que apontam para este problema – não é senso comum questionar se o sistema eletivo é realmente válido e funcional para resolver o problema da corrupção. O cidadão que votou em outro candidato que não o que está no poder, poderia então reclamar deste? Não se leva consideração o fato de que, muito mais do que o ato de votar, o comportamento social é, em grande parte, responsável pelo problema, afinal, os políticos saem dessa sociedade e são, portanto, um reflexo dela.


A acomodação no lugar comum ocorre não somente em relação às questões políticas, mas em relação a qualquer informação compartilhada em massa: conteúdos sem fontes checadas, frases ou textos com falsas atribuições de autor, entre tantas outras formas de usar um dedo para clicar sem precisar pensar a respeito de qualquer coisa.


Diz-se que é preciso ter “bom senso” para usar o Facebook, mas a expressão “bom senso” dá margem a diversas interpretações capazes de gerar uma tese para iniciação científica, ou quem sabe mestrado ou doutorado. Portanto, devido à falta de uma definição específica para “bom senso”, vale então dizer que, para usar o Facebook em sua máxima eficiência, não é preciso ter apenas bom senso, é preciso sair do lugar comum, é preciso o senso de discernimento.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Diálogo da Olimpíada: A Vergonha

[linha de chegada da natação]


[fala o narrador]


– É bronze! Brasil é bronze!


[começam os lamentos]


– Aff, Brasil, vai pra casa que você não dá mais nada.


– Mais um Bronze?


– É, uma droga.


– Quantas medalhas de ouro até agora?


– Uma só!


– Só uma? O Brasil tem que sair de campo para parar de passar vexame.


– Não é? Uma vergonha, uma vergonha...


Realmente, é uma vergonha, Brasil, as asneiras que o seu povo fala. Uma vergonha um país que não investe na educação e tampouco incentiva o esporte, deixando os atletas à mercê de sua própria vontade e esforço e, quando chegam as Olimpíadas, todos querem ver medalhas. Medalhas! Em honra a quê? Para o orgulho de quem? Daqueles que querem dizer que é brasileiro e o seu país tem mais conquistas? E que também esquecem, ou sequer sabem, que o país que conquista muito ouro nas olimpíadas apóia os seus atletas?


Não, cada vitória alcaçada não é do Brasil, não é sua, brasileiro que está sentado esperando resultados. A conquista de cada partida, de cada medalha, de bronze, prata, ou ouro, é do atleta que chegou até lá sozinho, sem o seu apoio, sem o apoio de um país inteiro. É uma vergonha, Brasil, que só se lembra desses atletas nos anos olímpicos e que, passada essa euforia, caem no esquecimento. Parabéns, atletas brasileiros, por cada conquista, parabéns por estarem lá. Vocês são os verdadeiros campeões, não o Brasil.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Oi, tudo bem?

“Não”, poderia ser a resposta. Mas que estranho seria dizer a um estranho que não está tudo bem, não é? Certamente eu não gostaria de ouvir os problemas de quem não conheço ou não tenho intimidade, e a recíproca normalmente é verdadeira (desconsiderando os curiosos pela vida alheia). Entretanto a sociedade tem esse insuportável hábito de perguntar: “Oi, tudo bem?”; “Olá, como vai?” E lá vem a resposta padrão: “Bem, e você?”; “Olá, vou bem, obrigado(a).” Não sei quem foi o infeliz que começou com isso, mas se ele estivesse vivo, deveria ser punido com requintes de crueldade.


Esse cumprimento diário não poderia ser reduzido apenas à primeira interjeição? Eu me sinto a pessoa mais mentirosa do mundo quando alguém me pergunta sobre o meu estado de espírito nos dias em que ele não está vivendo sua plenitude. Não que estejam verdadeiramente interessados no meu bem estar, na verdade, ninguém liga de fato, a pergunta é mera formalidade, tal qual é a resposta. Mas quando nada está bem e eu respondo “tudo bem”, logo em seguida, mentalmente, eu respondo: “não, não está tudo bem, está tudo péssimo.” É inevitável, eu preciso ser sincera, nem que seja em silêncio. Se você for meu amigo, ao me fazer essa pergunta, ouvirá um sonoro não. Posso até não falar o que está acontecendo, mas você receberá toda a minha sinceridade.


Às vezes recebo ligações de bancos que estão a oferecer algum serviço e, como uma íntima amiga, a atendente diz: “Olá, Roberta, tudo bem com a senhora?” Aí eu respondo “não.” Bom, mas nesse caso eu sempre respondo não, mesmo que no exato momento da ligação eu esteja vendo passarinhos verdes voando sobre o arco-iris e vislumbrando o pote de ouro ao final dele. Sabe como é, desestabilizar os atendentes dá um certo prazer sádico.


Mas, para não sentir desconforto por mentir, a melhor resposta pode ser “vou indo”. Acho que não existe melhor expressão para definir um estado de espírito desestruturado sem chocar quem a recebe. Você está indo, é verdade, se não estivesse, estaria morto. Indo pra onde eu não sei, pode estar indo para o buraco, para o abismo, rumo ao desconhecido ou, quem sabe, ao paraíso, mas é sempre algum lugar, não é? E o melhor é que, geralmente, aquele que perguntou não se aprofundará no assunto, e se tentar fazê-lo, basta desconversar com uma risadinha sem graça.


E aí? Tudo bem com você? Eu vou indo.