quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Procura-se

Procura-se minha Criatividade. Ela se foi há alguns anos da nunca mais foi vista. Ela costumava visitar meus sonhos, dizer oi para meu travesseiro, e até invadir o meu banho. Da última vez que a vi eu estava ocupada trabalhando e não pude atendê-la, e então ela foi embora, provavelmente chateada. A verdade é que por muito tempo eu não tive tempo para ela e, agora, mesmo nos momentos de ócio, ela não vem, não importa o quanto eu a chame. Procurei em baixo do tapete, dentro de caixas, no meio dos livros que não consigo ler e não a encontrei. Imagino minha Criatividade solta por aí, invadindo mentes alheias com ideias que seriam minhas; ou então assustada, abandonada, perdida, sem rumo e sem saber como voltar para casa. E eu continuo aguardando ansiosamente o nosso emocionante reencontro. Se alguém a encontrar por aí, me avise, pago bem; como eu ainda não sei, mas quando eu a tiver de volta, saberei.

sábado, 1 de novembro de 2014

Nomes

Insegurança é meu nome, e o medo, sobrenome. Meus filhos são nervosismo e palpitação, e todos se chamam medo, o sobrenome da insegurança.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Preguiça

Preguiça daquilo que cansa, das minhas lágrimas desmerecidas, incontidas, soltas em vão, pelo coração machucado não pela morte de alguém, mas pela dor de sentir a dor que não nos convém.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Aos verdadeiros professores

Não dou aqui meus parabéns a todos os professores, não canto aqui aquela musiquinha hipocritamente difundida pela globo para homenageá-los, ainda que seja cantada por Arnaldo Antunes, porque não adianta parabenizar da boca para fora e apoiar o governo que mais sucateia a educação. Parabenizo apenas os professores de coração, e não apenas de título, conscientes e dedicados, que realmente sabem o que fazem e fazem sem medo. Parabenizo mesmo aqueles que desistem de lecionar em nome de sua própria sobrevivência, porque, antes de ser um ato de amor, lecionar é uma profissão, e profissionais precisam pagar suas contas e sustentar suas famílias. Parabenizo também os que lecionam por amor, e mesmo com a certeza de que jogam sementes em solo infértil, continuam a cultivar a sementinha da esperança que parece morrer antes mesmo de brotar. Parabenizo aqueles que não aceitam o sistema falido e não demonstram conivência e complacência. Parabenizo, enfim, os professores de verdade, os professores de vontade. A vocês, se em milhares de corações perdidos forem capaz de tocar ao menos um, digo que já terá valido a pena. A vocês, um feliz dia dos professores.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Retrocesso

Queremos mudança!
Mudança em conserva
Mudança igual
Mudança estável

Queremos mudança!
Mudança inabalável
Mudança sem sal
Mudança com reserva

Queremos mudança
Dentro da zona de conforto
Que não altere nossa dança.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Esquecimento

Hoje eu quero dormir
Quero esquecer
Deixar de existir por um dia
Estou naquele momento
Insuportável
Em que não aguento
A minha própria companhia.

Diálogos do Trem - Fragmentos

O não arrependimento arrependido - 22/10/2012


Eu estou casado há 13 anos. Casei muito novo. Não que eu me arrependa, isso não, mas me arrependo de não ter pensado direito, sabe, deixar pra casar lá pelos 35 anos. Perdi toda a curtição. O que eu ganho nem é tão ruim, sabe, mas eu não desfruto, que usufrui do meu dinheiro é ela. Eu não tenho tempo de gastar o que eu ganho. Você tem? Às vezes tô no bar, tomando uma cerveja e logo liga a mulher "Onde cê tá?". Tô aqui com a galera! E logo começa o piti. As vezes penso em largar tudo, sabe, pegar uma aqui, outra ali. É muito mais negócio.
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Os troço no cérebro - 25/10/2012


Minha sogra só tem meu marido de filho. O sonho dela era ter outro. Ela teve uma filha, né, só que morreu. Tinha uns 27 dias. Teve fogos, aí a nenê se assustou, deu uns troço no cérebro e aí ela morreu.
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Sonho de criança - 15/01/2013


Eu me lembro quando eu era criança, eu e meus irmãos achava tão da hora os lixeiro correndo atrás do caminhão. Meu irmão dizia: quando eu crescer eu quero ser lixeiro!
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A dor da perda - 21/01/2013


Minha mãe entrou em depressão quando meu pai morreu, eu era moleque. Ela ia ao cemitério todos os dias, minhas irmãs que tinham que segurá-la para não ir. Mas foi na exumação que ela piorou de vez. Metade estava inteiro, metade era só esqueleto. No dia dos pais tínhamos que fazer qualquer coisa que não lembrava o pai. Assistia televisão, até Faustão, qualquer coisa. Hoje ela tá boa, vai até pra balada, voltou a ser menininha de novo. Meu pai tinha 56 quando morreu, ela acho que tinha... não sei, uns 31.
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Um fragmento de terror - 31/01/2013


... aí sabe o que aconteceu? Ele enfiou os dedo bem assim nos zóio dela, aí começou a sair um monte de sangue assim... tenso! Não gosto nem de lembrar.
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Sinceridade - 18/02/2013


Desculpa, eu não posso ser hipócrita, dizer que quero que você seja feliz com ela, porque não é verdade.
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O cair da máscara - 28/08/2013


Eu era noiva do Fábio, sabe. A gente tava sentado no lugar de idoso... não, acho que não era, mas era lá no vagão da frente, daí entrou um senhor bem idoso, e eu falei pra ele "amor, dá o lugar para o senhor sentar." Ele levantou e passou a viagem toda sério. Quando a gente desceu, ele segurou no meu braço bem forte e disse: "Você nunca mais faça isso, nunca mais peça para eu dar meu lugar a ninguém!" Daí eu percebi, era a primeira vez que eu tinha visto ele fazer algo por alguém, dar aquele lugar. Mas na verdade ele não tinha feito, ficou tão bravo! Aí eu vi quem ele realmente era.
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Para pagar de culta - 22/05/2014


Eu queria aprender mais de filme, não porque eu gosto, mas para conversar com as minhas colegas. Sabe, falar daquele ator, do diretor tal, pra fingir que sou inteligente. Outro dia estavam falando de um tal diretor que morreu e eu estava boiando.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Irritações de gênero

Irritou-se, irritar-se-á, irrita, irritará. É o que faz você, faço eu, fazemos nós. Faz quem ama, faz quem é amado, quem odeia e quem é odiado. Irritar e ser irritado. Aquela mania irritante, aquela personalidade que não muda, aquela nóia, aquela paranóia. Cada um tem uma, tem várias, e por serem tão diferentes em cada um é que sempre acabam por irritar umas às outras, em algum momento irritante.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Escarafunchando

Escarafunchando, lendo e encontrando passado próximo e distante do próximo, em meio a dores que se misturam com as minhas e sorrisos que se encontram nos meus. Alimentam meus medos, meus anseios e receios que florescem em meio à admiração de ser e não saber. É poesia que desvela a alma ou revela a dor fingida da dor deveras sentida. 

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Sinto falta

Sinto falta do bom dia, do beijo enviado pelo ar, da saudade sentida no intervalo de um dia, do desejo de matá-la pela voz. Sinto falta do boa tarde, do abraço sentido sem tocar, do desejo de antecipar por telefone o abraço físico que ainda vai chegar. Sinto falta do boa noite, do desabafo pelo stress de um dia ou de uma vida, do desejo de fazê-lo por amar. Sinto falta do que seja espontâneo, por isso aceito, de bom grado, o que seu coração puder me dar.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Meias Palavras

Não sou bom entendedor
Meias palavras não me bastam
Preciso de uma frase inteira
Frases pela metade não me esclarecem
Preciso de um texto completo
Textos truncados não me servem
Preciso de uma redação
Com tese, desenvolvimento e conclusão.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Palavras

Palavras duras, que não aguentam outras palavras duras, se encontram, se chocam, embrutecem, crescem, deságuam, inundam. Palavras doces, que procuram outras palavras doces, se encontram, florescem, crescem, deságuam, transbordam.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

O desmérito da meritocracia

Imagem

A meritocracia, do latim meritum e sufixo cracía, que significa poder, é um sistema teoricamente justo, no qual cada indivíduo tem a chance de alcançar seus objetivos baseando-se em seu merecimento por seu esforço, dedicação, desempenho, luta etc. É dentro dessa lógica que se encontra nossa sociedade e a nossa premissa de vida, essa é a base de ideologias que sustentam ideias que viram memes de Facebook como “Estude, porque a caneta é mais leve do que a pá”. Em um mundo meritocrático, supõe-se que todos têm condições de conquistar o seu lugar no mundo. Mas sempre questiono o que esse lugar no mundo realmente significa.

Que aqueles que batalham por suas conquistas merecem alcançá-las eu não tenho a menor dúvida, mas me pergunto por que é que a ideia de alguém, sem estudo, merece viver com um emprego que lhe paga um salário indigno. Aí vem o que se espera dentro de um sistema meritocrático: se ele quiser melhores condições, ele pode estudar, basta ter força de vontade. O que ninguém leva em consideração é que alguns já começam ao lado da linha de chegada, ou mesmo já nascem ultrapassando-a. Existem aqueles, pobres, na sua maioria negros, que estão lá pra trás, bem longe da linha de chegada, e que colocam toda a sua energia para correr e alcançar aqueles que já estão mais próximo dela; alguns poucos conseguem, são as exceções, mas são tomados como os grandes exemplos. O que ninguém repara é que essas exceções nunca passam a ser regra. A esmagadora maioria dos "bem sucedidos" ainda é branca e elitista.

Ultrapassar a linha de chegada e alcançar o topo é meta de vida e, dessa forma, aqueles que estão embaixo, serão sempre considerados inferiores. O que ninguém percebe (ou finge não perceber) é que a sociedade precisa dessa “inferioridade”. Não há lugar no “topo” pra todo mundo, e não é justo, nem humano, valorizar tanto esse topo a ponto de não enxergar que todo topo precisa de uma base sólida. Sem ela, tudo desmorona.

Por que não valorizar então todas as profissões e toda a sociedade em vez de fazer apologia ao “lute para mudar de vida e alcançar os salários altos, empregos bem pagos” ou “seja um empresário de sucesso”? Por que sempre é preciso estimular a competitividade e o predadorismo, sendo que alguns (muitos, maioria, na verdade) vão ficar para trás? O mundo não pode ser composto apenas por doutores e intelectualóides, se estes não conseguem dar conta de tudo o que a sociedade precisa, esta precisa saber valorizar tudo aquilo e todos aqueles de quem depende.

Certa vez o contrato com a empresa que presta serviços de limpeza à Secretaria Municipal em que trabalho venceu antes que pudesse ser concluída a nova licitação; não é preciso dizer o caos que o ambiente ficou. Quando os garis fizeram a greve no Rio em março deste ano, ficou mais do que evidente o quão imprescindível é o trabalho dessa categoria e, ainda assim, era mais fácil julgá-los como vagabundos que não queriam trabalhar edeixavam a cidade imunda do que reconhecer que seu serviço era essencial e mereciam muito mais do que o salário miserável e indigno que recebiam para recolher a nossa sujeira. Dessa forma, dá para ter uma idéia do caos que seria o mundo sem lixeiros, porteiros, pedreiros, faxineiros e tantas outras profissões desvalorizadas, porém não menos fundamentais à sociedade. Por mais máquinas que possam existir para substituir determinados serviços braçais, o cuidado humano sempre será necessário.

Portanto, podemos chegar às conclusões básicas e lógicas que os meritocratas não querem entender: Não há espaço para todos no “topo”; Não há condições iguais para se chegar ao “topo”; Os que estão em desvantagem e ainda assim chegam ao “topo” são exceções; A regra básica é que a maioria dos que chegam ao “topo” já estavam previamente mais perto dele do que os pobres e negros; Se você insiste em dizer que não há racismo na sociedade, tomemos um exemplo do momento: olhe para os estádios na copa do mundo durante as transmissões dos jogos, cujos preços dos ingressos são exorbitantes, e conte quantos negros você consegue encontrar na torcida; Não chegar ao “topo” não faz alguém mais fraco; O trabalho braçal é tão fundamental quanto o intelectual; E, por último, ninguém está lhe servindo, você não tem serviçais, é você que precisa do trabalho no qual não está habilitado ou o qual não está disposto a fazer.

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quinta-feira, 24 de abril de 2014

O palacete de vidro

Por trás da vidraça turva, ele observava. A visão não era clara, mas ela estava lá; as suas curvas eram visíveis, e chamavam atenção. Mas o que o intrigava, eram as lágrimas. Ela demorou para perceber que ele estava ali. Para falar a verdade, ela nem teria lembrado da existência da vidraça se ele não tivesse se aproximado para observar. Ela então encostou a mão no vidro. Os contornos dos dedos ficaram nítidos do outro lado, e ele pode ver com clareza e então encostou sua mão na dela, com uma fina camada de vidro sujo separando as duas.


"Você não parece muito feliz aí dentro", disse ele.


"Não é muito agradável, quanto mais eu tento limpar, mais sujo fica.", ela respondeu.


"Venha aqui fora, o tempo está agradável e você vai respirar melhor."


Ela esfregou o vidro, por uma fresta pôde vislumbrar belas paisagens, um ar mais puro e renovado do que aquele que a sufocava ali dentro. Mas, por mais que desejasse, não podia abandonar aquele lugar, era lindo quando o encontrou. Belas peças de cristais e uma porta cravejada de diamantes. O tapete de veludo levava para dentro das paredes de vidro cristalinas convidava a um interior aconchegante e deslumbrante. Há tanto tempo andando por aí, não foi preciso pensar muito para entrar e se apaixonar pelo lugar. Mas logo percebeu que as paredes cristalinas não eram limpas periodicamente, o interior aconchegante, possuía móveis corroídos que desabavam ao sentar. Mas era lindo aquele lugar, ela não podia deixá-lo para trás. Tinha certeza de que, se ele tinha defeitos, poderia consertá-lo. Bastava um pouco de boa vontade e um pouco de limpeza.


"Eu não posso, demorei para encontrar esse lugar, não posso deixá-lo desmoronar." Ela respondeu, depois de muito pensar.


"Esse lugar já está condenado, você precisa sair antes que desabe com você aí dentro."


"Eu preciso tentar."


Respeitando-a, afastou-se, mas sempre se mantinha por perto. Quando ela se sentia triste e cansada, encostava a mão no vidro, cada vez mais sujo, e ele prontamente aparecia para encostar a mão de volta e oferecer-lhe algumas palavras de conforto. Esta dinâmica seguiu por dias a fio. Ele sabia que ela estava perdida e que seu apego àquele lugar perdido a cegavam. Bastaria que ela tomasse uma única iniciativa para se libertar. Mas, se ele não podia tirá-la dali, também não podia abandoná-la. Quando o falso palacete desabasse, tudo que ele poderia fazer era ajudar a resgatá-la dos escombros.


Certo dia, ela, esgotada, começou a perceber que, a cada cadeira que ela pregava, desmoronava outra, um quadro que prendia, caía o outro. Não havia lugar para despejar o lixo, e ele se acumulava. Era tanta poeira que ela desistiu de limpar o vidro, de turvo passou a quase opaco, e ela o via quando esfregava aquele pequeno pedaço do vidro e encostava sua mão. Ele nunca havia saído dali, seu senso de humanidade não permitira que ele abandonasse alguém em tão deplorável situação, presa num falso palacete por não conseguir libertar a mente e o coração.


"Seja lá o que você viu quando chegou aqui, não existe mais, olhe à sua volta!"


"Eu preciso sair daqui, mas eu não consigo! Por que eu não consigo transformar esse palacete no que ele já foi um dia?"


"Por que talvez ele nunca tivesse sido um palacete de verdade."


"Eu não consigo acreditar, parecia tão sólido, tão real..."


"Real, talvez; sólido, nunca."


Mais alguns dias se passaram e ela continuava lá dentro, choramingando pelos cantos, andando em círculos e já nem sabia mais onde era a saída, quando cansada demais, ela se encolhia num canto e dormia, tentava dormir o máximo que pudesse só para não ter que encarar a realidade que estava à sua volta. Quase esqueceu que ele tava lá fora, quando então ele bateu no vidro. Ela foi até ele e desabou em lágrimas e prantos.


"Eu quero sair, mas não consigo encontrar a porta!" dizia soluçando em desespero.


"Você vai encontrar, se você entrou, você pode sair, não entre em desespero. Vá tateando pelo vidro. Com essa sujeira tudo se misturou, não existe mais clareza, é só ir trançando seu caminho sem se perder."


Ela procurava, mas tinha medo. Tateava, chorava, espirrava. Tudo estava ruindo. As paredes de vidro começaram a trincar. A raiva tomou-lhe conta e deu um soco. Cortou a mão, o vidro cedeu, e tudo começou a desabar. Antes que ela fosse soterrada, ele estendeu a mão, ela segurou e ele a puxou para fora.


"Acabou agora" ele disse.


"Não acabou, ainda dói e minha mão está sangrando."


"Talvez possa estar doendo, mas se você tivesse ficado lá dentro, o estrago, a dor e os machucados teriam sido bem maiores."


"Se não fosse por você..."


"Eu só estendi a mão, a decisão de sair foi sua."


"Um lugar tão belo transformado em nada."


"Um lugar belo, mas sem estrutura, convidativo, mas não podia sustentar sua aparência, sem alicerces, a construção mais esplêndida sempre vem abaixo."


"Obrigada por estar aqui."


"Obrigado por me permitir te conhecer."


Ao olhar nos seus olhos ela teve a certeza de que, não importa o que acontecesse, aquele momento estaria para sempre gravado na memória, coração e alma. O que viria posteriormente ninguém sabia, nem ela, nem ele, mas algo mudou em suas vidas ali e, se estavam seguindo caminhos paralelos ou se era apenas um ponto de encontro de dois caminhos que se cruzavam ao seguir diferentes caminhos, não fazia muita diferença, não para aquele momento. O palacete de vidro havia ido embora para sempre, e os machucados logo se transformariam em cicatrizes e então desapareceriam. A partir daquele instante, novos alicerces começaram a ser construídos.


quinta-feira, 17 de abril de 2014

No divã da vida: arrependimento

Eu acho que fiz besteira.

Sim, impulsividade.

É claro que estou!

Não sei, medo é meio incontrolável.

Deixei tomar conta.

Já nem sei mais, tenho medo de ter medo de ter medo.

Autossabotagem? Ora...

Difícil admitir. Mas, sim, a culpa é minha.

Agora encaro as consequências.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

O amor de hoje

Ainda que eu não ame amanhã, terei amado ontem, porque eu amo hoje, eu amo agora, e o agora é tudo o que tenho, tudo o que sinto. 

segunda-feira, 7 de abril de 2014

quarta-feira, 19 de março de 2014

Defeitos

Eu tenho medo dos meus defeitos; daqueles dos quais sou consciente e, principalmente, daqueles que desconheço ou não admito a existência. Defeitos são inerentes ao ser humano, à minha pessoa que, como qualquer outra, enxerga com muita clareza os defeitos alheios e cega-se diante dos próprios. Seriam eles graves, suaves, releváveis, insuportáveis ou aceitáveis? Imagino que devo ter aquele defeito que reconhecemos em alguém, ele é insuportável, mas seu dono não o reconhece, não aceita, não reflete. Ao enxergar meu defeito insuportável, conte-me, se eu refutá-lo, conte-me de novo. E de novo, e de novo, e de novo.

quinta-feira, 13 de março de 2014

No divã da vida: Weltschmerz

Não, não acho que eu esteja em paz.

Bem, sinto mal estar, dor, incômodo, e não é físico.

Weltschmerz?

Ah, sim acho que é o que me acomete.

As pequenas coisas me incomodam.

É como se todos os pequenos problemas, em um determinado momento, tornassem maiores.

Eles se somam aos problemas do mundo, e então meu mundo fica insuportável. Um sofrer sem nem saber por quê.

Não, não sei mesmo.

Sim, tenho certeza.

Como assim, medo de sofrer?

Medo de sofrer... isso já não é o próprio sofrer?

Ah, as consequências das dores do mundo... vou lavar a louça.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Rótulo

Rótulo da garrafa, rótulo de shampoo, rótulo do remédio, rótulo de cola, rótulo da cola que cola, rótulo da cola que não cola, rótulo da embalagem, rótulo do iogurte, rótulo de refrigerante, rótulo de hidratante, rótulo de enlatado, rótulo de gente, rótulo de mãe, rótulo de pai, rótulo de filha, rótulo de filho, rótulo de irmão, rótulo de irmã, rótulo de primo, rótulo de prima, rótulo de amiga, rótulo de amigo, rótulo de cunhada, rótulo de enteada, rótulo de cunhado, rótulo de enteado, rótulo de sogra, rótulo de sogro, rótulo de marido, rótulo de esposa, rótulo de amante, rótulo de ficante, rótulo de namorados. Rótulo porque existem rótulos.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

E ela era tão bonita...

Ao ligar a TV, via-se o apresentador exacerbar indignado:


“O Brasil está em choque com o crime! Ela, que era tão jovem, tão bonita, foi brutalmente assassinada pelo namorado! O namorado! Agora me diga, telespectador, isso é amor? Que amor é esse que mata? Que falta de Deus no coração! Aqui, mais um close na foto da menina, apenas 17 anos, tão bonita! Tão jovem! Morreu nas mãos de um marginal que se dizia apaixonado, apaixonado! Congela a imagem, congela! Aí está o meliante, mal encarado! Um traficante, merece apodrecer na cadeia! Você que está ligando a TV agora, esta moça, esta linda moça, foi brutalmente assassinada com 27 facadas pelo namorado por ciúmes! Falta Deus no coração das pessoas. E a polícia diz o quê? Onde está o criminoso? Ele tem que pagar pelo que fez, vamos entrevistar os vizinhos que testemunharam o crime. Fique ligado, voltaremos logo em seguida!”


- Nossa, que horror isso, né, menina?


- E ela era tão bonita, tão jovem, tinha uma vida inteira pela frente!


- Moça de bem, de família, não merecia isso.


- Se fosse feia seria diferente.


- Gente feia pode morrer, não choca.


- Na periferia isso acontece todos os dias. Gente feia morre o tempo todo, só não aparece na TV. é normal.


- É triste, né. Mas, também, esse povo pede, periferia só tem trombadinha.


- Mas poxa, tão bonita, tão loira, tão branca, olhos tão azuis, de família, moça de bem.


- É, ela não merecia, mas pediu. Tinha que se envolver com esse povinho da favela?

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Feliz ano novo

A cada dia
feliz ano novo
A cada semana
feliz ano novo
A cada beijo
feliz ano novo
A cada momento
feliz
feliz ano novo.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Cansaço

Discussões rasas me cansam. Angústias me cansam. Medos me cansam. Os dias me cansam. Os olhares perdidos me cansam. O coração me cansa. Cansaço me cansa. Conteúdo me cansa. Vazio me cansa. A vida se cansa do que cansa. Eu canso, tu cansas, eles cansam, nós cansamos e cansaremos.  Viveremos, cairemos, levantaremos, e continuaremos a cansar. A vida não me cansa. 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Eu cruzei o seu caminho

Eu cruzei o seu caminho. Você estava ali, deitado, frágil, desprotegido. O sol batia forte e parecia queimar-lhe a pele, mas isso não parecia incomodar. Você dormia, ou talvez estivesse apenas entorpecido. Se sentia fome, o torpor escondia, se ardia em febre, o torpor disfarçava. Ninguém olhava, ninguém percebia, você era invisível, mas eu vi. Eu vi... por que eu vi? Se eu vejo e nada faço é o mesmo que não ver, dá-me a culpa de viver, de sonhar, de achar que tudo está bem. Não está. Nada está bem. O papelão lhe acomoda como cama, e você dorme, dorme para esquecer a dor, a sujeira que lhe deixa invisível. A sua dor incomoda, a sua existência incomoda. Você não deveria existir, não deveria estar ali, atrapalhando meu caminho, incomodando a minha consciência. Você é capaz de me mostrar a verdade sobre essa sociedade. Mas por que eu vejo? Tantas pessoas escolhem não ver, é mais fácil, é muito mais fácil. Não é justo, eu vejo e nada faço e isso não me torna melhor do que aqueles que não veem. Sou igual, ou pior, e ainda sinto a dor de não sentir a sua dor.

Não está

Acordei um pouco confusa, olhei para o lado e apenas vi a hora. "Não está aqui". E por que haveria de estar? Não havia indícios de que estaria lá. Ou havia? Não sei. "É tão estranho como a mente prega peças", pensei. Jurei que estava, mas foi só colocar os óculos para perceber que realmente não estava; foquei, olhei de perto, franzi a testa e constatei: "realmente, não está aqui". Talvez nunca esteve, foi uma ilusão. Costumava ficar ao lado do relógio, mas não havia nada, nem um sinal de que esteve ou que viria em breve. Olhei para cima, suspirei, "talvez amanhã esteja. Ou não.", e voltei ao pequeno mundo dos sonhos esquecidos.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Lispérdi

Lispérdi era assim: repetia lispérdi o tempo todo, e fora justamente isso que lhe dera a referida alcunha. Para tudo que lhe perguntavam, ele prontamente respondia: "lispérdi". Lispérdi também tinha o hábito de abençoar a tudo e a todos, não importa o que se fizesse, "deus te abençoe"; e, para ele, todos eram Doutores, Senhoras ou Senhores. Sempre que eu questionava alguma coisa a Lispérdi, ele imediatamente justificava com "lispérdi". Desisti de entender, então eu apenas fazia meu trabalho, conforme me era solicitado. E assim ele me respondia, "Deus te abençoe, Doutora." Já desisti de explicar que apenas merece o título de Doutor aquele que concluiu um Doutorado. Não adianta, Lispérdi é assim: primeiro "lispérdi", depois "Deus te abençoe", seja para Doutor, Doutora, Senhor ou Senhora. E a gente se acostuma com Lispérdi. Afinal, se a gente não se acostuma, noispérdi... a paciência com ele.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A conversa da Nostalgia

Esta noite a Nostalgia veio me visitar. Chegou de repente para conversar, veio devagar, disse-me tantas coisas que à minha mente já haviam fugido, mas veio me lembrar que sempre estiveram lá, e sempre vão estar. Ah, Nostalgia, você é tão sutil, dá saudades de um tempo ao qual não se quer mais voltar, de um momento que não se deseja reviver ou resgatar, porque é especial por simplesmente estar lá, congelado naquele intervalo de tempo, pra sempre imutável. A Nostalgia falou comigo, fez-me sorrir, fez-me lembrar do que fui, do que sou, do que vivi e do que estou a viver. Lembrou-me de coisas das quais não me orgulho e tampouco me arrependo, lembrou-me da tensão, da performance, dos jogos de corpo, mente e alma. Lembrou-me que me encontrei, lembrou-me que me perdi de novo, e que agora volto a me buscar. Nostalgia, parte de mim, parte da vida.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

No divã da vida: as minhocas

Minhocas? Sim, elas até que aparecem, mas não encontram um terreno muito propício. Sabe como é, terra dura e batida...

Medo... bom, é claro que eu tenho medo. Mas ele se alimentava do húmus que agora as minhocas não estão conseguindo produzir.

Exatamente, as minhocas meio que estão morrendo de fome.

Porque eu não as alimento.

Com fome elas não crescem, se não crescem não há terra fértil para o medo, a angústia, a ansiedade, o mal estar. Terra dura, elas não têm forças pra se alimentar.

A vida. Foi a vida que endureceu a terra.

Se há terra fértil para as flores? Não pensei nisso ainda.

Você tem razão. Sinto falta delas. Mas dá uma preguiça de cultivar...

Talvez, talvez.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Quando reaprendi a chorar

Revisitando fotos, posts, comentários... um museu virtual, interno, pessoal, interpessoal, público, privado. A vida estava tranquila, mas eu já não sabia o que era chorar. Veio um idiota e abriu um coração que há muito estava fechado. Lágrimas de muitos anos, contidas numa pressão que causava dor de cabeça. Vieram a tona, numa dor insuportável, transformando-se em ódio seguido de indiferença. Eu reaprendi a chorar! Dizem que tudo acontece por um motivo, uma razão. Eu só queria saber qual era a razão para tanta dor, tão desnecessária, causada pela relação com alguém que em nada me acrescentou, me induzindo a um estado depressivo que me fazia desejar cair num eterno sono sem sonhos. Hoje, vendo a facilidade que uma lágrima tem para escorrer sobre meu rosto, é que percebo por quê. Nunca mais dores de cabeça por lágrimas presas. Sem medo de chorar, sem medo de viver.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Zóio

Abre, fecha, pisca, vira, revira, fecha, abre, estatela, esbugalha, remexe, amassa, prende, solta, fecha.

Respira.

Suspira, abre, fecha, vira, revira, prende, solta, escapa, vai, volta, geme, para, transpira.

Respira.

Cochila, acorda sacode, esquenta, esfria, tosse, espirra, bebe, come, supira.

Transpira.

Inspira, expira, inspira, expira, vira, revira, respira, respira.

Cochila.

Acorda, inspira, transpira, ofega, sente.

Expira.

Anda, trabalha, recorda.

Volta, desmonta.

Desmaia.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

De Bentinho a Caeiro

Houve um tempo em que eu fui mais Bentinho, de imaginação cuja égua íbera dava à luz incontroláveis potrinhos. Já foi o tempo. Hoje estou mais Alberto Caeiro, vendo, vivendo, sentindo e observando o mundo sem muito pensar nele, porque, afinal, dele "nada tiramos e nada pomos; passamos e esquecemos; E o Sol é sempre pontual todos os dias."

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Joana, João, José, Maria e Tião

João e Maria eram amigos de Joana. Maria não gostava de João. Maria apresentou José a Joana, que se apaixonou por José, que traiu Joana, Maria e Tião. Maria e Joana eram amigas de Tião, que parou de falar com Maria, porque Maria não queria falar com Tião. João não gostou de ver Joana com José e parou de falar com Joana, que parou de falar com Maria, porque Maria não queria falar com Joana. Joana é amiga de Tião que não gosta de Maria que não gosta de Joana, Tião e João, que não gosta de Joana, que odeia José, que não gosta de ninguém.