segunda-feira, 30 de junho de 2014

O desmérito da meritocracia

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A meritocracia, do latim meritum e sufixo cracía, que significa poder, é um sistema teoricamente justo, no qual cada indivíduo tem a chance de alcançar seus objetivos baseando-se em seu merecimento por seu esforço, dedicação, desempenho, luta etc. É dentro dessa lógica que se encontra nossa sociedade e a nossa premissa de vida, essa é a base de ideologias que sustentam ideias que viram memes de Facebook como “Estude, porque a caneta é mais leve do que a pá”. Em um mundo meritocrático, supõe-se que todos têm condições de conquistar o seu lugar no mundo. Mas sempre questiono o que esse lugar no mundo realmente significa.

Que aqueles que batalham por suas conquistas merecem alcançá-las eu não tenho a menor dúvida, mas me pergunto por que é que a ideia de alguém, sem estudo, merece viver com um emprego que lhe paga um salário indigno. Aí vem o que se espera dentro de um sistema meritocrático: se ele quiser melhores condições, ele pode estudar, basta ter força de vontade. O que ninguém leva em consideração é que alguns já começam ao lado da linha de chegada, ou mesmo já nascem ultrapassando-a. Existem aqueles, pobres, na sua maioria negros, que estão lá pra trás, bem longe da linha de chegada, e que colocam toda a sua energia para correr e alcançar aqueles que já estão mais próximo dela; alguns poucos conseguem, são as exceções, mas são tomados como os grandes exemplos. O que ninguém repara é que essas exceções nunca passam a ser regra. A esmagadora maioria dos "bem sucedidos" ainda é branca e elitista.

Ultrapassar a linha de chegada e alcançar o topo é meta de vida e, dessa forma, aqueles que estão embaixo, serão sempre considerados inferiores. O que ninguém percebe (ou finge não perceber) é que a sociedade precisa dessa “inferioridade”. Não há lugar no “topo” pra todo mundo, e não é justo, nem humano, valorizar tanto esse topo a ponto de não enxergar que todo topo precisa de uma base sólida. Sem ela, tudo desmorona.

Por que não valorizar então todas as profissões e toda a sociedade em vez de fazer apologia ao “lute para mudar de vida e alcançar os salários altos, empregos bem pagos” ou “seja um empresário de sucesso”? Por que sempre é preciso estimular a competitividade e o predadorismo, sendo que alguns (muitos, maioria, na verdade) vão ficar para trás? O mundo não pode ser composto apenas por doutores e intelectualóides, se estes não conseguem dar conta de tudo o que a sociedade precisa, esta precisa saber valorizar tudo aquilo e todos aqueles de quem depende.

Certa vez o contrato com a empresa que presta serviços de limpeza à Secretaria Municipal em que trabalho venceu antes que pudesse ser concluída a nova licitação; não é preciso dizer o caos que o ambiente ficou. Quando os garis fizeram a greve no Rio em março deste ano, ficou mais do que evidente o quão imprescindível é o trabalho dessa categoria e, ainda assim, era mais fácil julgá-los como vagabundos que não queriam trabalhar edeixavam a cidade imunda do que reconhecer que seu serviço era essencial e mereciam muito mais do que o salário miserável e indigno que recebiam para recolher a nossa sujeira. Dessa forma, dá para ter uma idéia do caos que seria o mundo sem lixeiros, porteiros, pedreiros, faxineiros e tantas outras profissões desvalorizadas, porém não menos fundamentais à sociedade. Por mais máquinas que possam existir para substituir determinados serviços braçais, o cuidado humano sempre será necessário.

Portanto, podemos chegar às conclusões básicas e lógicas que os meritocratas não querem entender: Não há espaço para todos no “topo”; Não há condições iguais para se chegar ao “topo”; Os que estão em desvantagem e ainda assim chegam ao “topo” são exceções; A regra básica é que a maioria dos que chegam ao “topo” já estavam previamente mais perto dele do que os pobres e negros; Se você insiste em dizer que não há racismo na sociedade, tomemos um exemplo do momento: olhe para os estádios na copa do mundo durante as transmissões dos jogos, cujos preços dos ingressos são exorbitantes, e conte quantos negros você consegue encontrar na torcida; Não chegar ao “topo” não faz alguém mais fraco; O trabalho braçal é tão fundamental quanto o intelectual; E, por último, ninguém está lhe servindo, você não tem serviçais, é você que precisa do trabalho no qual não está habilitado ou o qual não está disposto a fazer.

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