terça-feira, 20 de março de 2018

Colocar-se no lugar do outro não basta

É comum ouvir sobre como deveríamos nos colocar no lugar do outro. Tal afirmação é verdadeira, mas só ela não basta, é preciso ampliar o conceito para que possamos sair do raso e ir além do senso comum. Não tenho dúvidas que muitas situações de intolerância, incompreensão e até mesmo ódio ocorrem não porque não se colocaram no lugar do outro - segundo creem - mas porque não se despiram dos próprios sentimentos e convicções. 

Quantas vezes não ouvimos falar em situações de racismo e preconceito e sobre o mimimi que é tudo isso? "Não é mimimi, coloque-se no lugar do outro!" podemos dizer em em resposta. Não adianta, às vezes a pessoa até acha que já se colocou. Ela se coloca na situação com a própria carga emocional, somado à falta de vivência naquela situação, e diz: "Quando eu era criança me chamavam de orelhudo e eu não fiquei me fazendo de vítima". O mesmo ocorre com quem chama moradores de rua de vagabundo: "Eu não ficaria me fazendo de vítima, eu correria atrás pra arrumar um emprego". A pessoa acredita que "se colocou" na situação de desempregado, mas sem se despir de toda a sua carga de emocional da própria experiência vida.

O que falta, portanto, para além da compreensão histórica e social, é a compreensão de que cada indivíduo é diferente, a forma como ele sente e encara a vida e o que lhe atinge não é igual ao que sente e atinge o outro. Basta mirar-se no exemplo de um negro que sofreu racismo a vida inteira, mas como ele superou, como isso não o atingiu (ou acha que não atingiu), ele considera que a luta contra o racismo é vitimismo; faltou-lhe colocar-se no lugar do outro sem a visão de sua própria experiência, despindo-se dos próprios sentimentos. Faltou compaixão.

Ninguém está livre disso. Ninguém está livre da falta de compaixão. Somos todos humanos e, naturalmente, e a imparcialidade total não existe. Toda a nossa análise social humana, emocional ou racional é feita com através de nossos olhos. Distanciar-se das próprias emoções é uma tarefa árdua, porém essencial; e podemos apenas afastar, mas não podemos (nem devemos) nos livrar totalmente delas, é preciso apenas compreensão. Não é sempre fácil entender por que aquilo que nunca te magoaria magoou outra pessoa  ou, ao contrário, por que aquilo que te machucou não atingiria aquele que lhe infringiu o que causou a dor. É preciso muito discernimento para entender que aquilo que não te atinge não é frescura quando atinge outro alguém. Não é vitimismo, não é "mimimi". 

É claro que existem situações de total falta de empatia, total inconsequência e ignorância. Os recentes ataques a uma pessoa já morta, Marielle Franco, que foi covardemente executada, é um triste exemplo disso. O ódio pela esquerda e por esses "tais direitos humanos" tornou-se maior que tudo e cegou muitos para qualquer compreensão e compaixão, colocar-se no lugar do outro não é sequer uma opção. Quando isso acontece, é preciso respirar fundo, olhar para dentro e para fora de si, e não desistir. Porque se existe tanto ódio, existe também amor. E as manifestações em apoio à Marielle Franco, mãe, mulher, vereadora, ativista, e, acima de tudo, humana, são a maior prova desse amor e compaixão dos quais não podemos desistir nunca.