sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Um quase brainstorm do verbo que se tornou intransitivo.

Ficar: verbo de ligação, transitivo direto ou indireto. Ficar em algum lugar, ficar triste, ficar feliz, ficar em casa, ficar enjoado, ficar sozinho, ficar de cara,  ficar com alguém; é a partir daí que ele se tornou também intransitivo, mais um significado para o significante. Foi nos anos 90 que essa coisa tomou forma. A ideia já existia, a ação já estava lá, mas ela não tinha um nome, não era oficial, não era um status. A coisa, por assim dizer, era uma massa amorfa, aquela ideia nebulosa de Hjelmslev, o pensamento não delimitado até o aparecimento da língua. Pois é, o conceito da coisa se uniu a uma imagem acústica e nasceu o signo. Agora a ideia nebulosa tem forma, tem nome,  ficar é um verbo intransitivo que designa uma ação específica, a ação de ficar com alguém e não estar com ninguém. Ficar transformou-se em um status socialmente incorporado e bem aceito; do verbo nasceu o substantivo ficante, e o mundo se preencheu de ficantes. Ficantes são amantes temporários, aquele tipo de coisa que era considerada cafajestagem e agora é uma opção, viver sem compromissos rumo à solidão. Era uma gíria entre os adolescentes, e a coisa cresceu e um signo se estabeleceu. Temos agora um bando de adultos agindo como adolescentes, com a vida emocional bagunçada e assumindo um relacionamento informal. Aliás, isso chega a ser um oximoro, pois a ideia de ficar é justamente não assumir coisa alguma. É consequência do turbulento século XX, as pessoas se esqueceram de quem são e a superficialidade da vida transpôs-se para os relacionamentos. E o século XXI prossegue com os efeitos colaterais de uma sociedade em ruínas, de pessoas intelectualmente sedentas e emocionalmente imaturas que sofrem sem nem saber por quê.

Um comentário:

marinices disse...

Eu sempre odiei ficar e acho que o mundo seria melhor sem esse maldito termo. Falou e disse.