terça-feira, 24 de abril de 2012

Interna porfía

Uma Ode cantar-vos-ia
posto que o cinza latente
tanto se faça presente
Recitá-la-ia hoje e todo dia

não fosse a tempestade
que no desbotado da cidade
não reflete profundamente
e apenas no peito se sente.

Ofereço-vos, pois, não
um poema repleto de alegria
mas de toda minha emoção

nasce mirrada uma elegia
fruto de interna porfia
que abate o sofrido coração.

domingo, 22 de abril de 2012

A macromolécula do tempo

Falar sobre o presente não é lá muito fácil, é um assunto recorrente literatura, na poesia, em textos de análises filosóficas, mas definir o que é presente – tão forte na lírica de Gregório de Matos, do tempo que “trota a toda ligeireza / e imprime em toda a flor sua pisada” – não é tão simples quanto faz parecer o senso comum. O significado¹ de presente é muito mais profundo do que o seu significante² pode mostrar: a massa amorfa³ que o circunda abrange uma esfera que vai muito além do próprio signo4.


O presente é uma fagulha, a unidade mínima – partícula imensurável – do tempo e do espaço que, devido à sua efemeridade, tornar-se-á passado tão logo se mencione ou reflita sobre ela. Um conjunto dessas partículas é o que se poderia chamar de momento: uma macromolécula composta por essas unidades mínimas, resultando no que é visível e/ou perceptível aos outros sentidos, mas que se esvai num piscar de olhos.


Um momento pode ser um bocejo, um passo, um grito, um abraço, um beijo, um copo de cerveja. Pode ser uma rajada de vento, uma divagação, uma conversa, uma troca de olhares ou um descompasso no coração. Momento é tudo aquilo que vivemos, e, para torná-lo marcante, depender-se-á exclusivamente do sopro sobre uma única partícula que determinará o desencadeamento de tudo que vier pela frente: um momento que, como qualquer outro, será diferente de todos.


Os momentos não são perdidos, são guiados, transformados. O que se perde são as oportunidades por eles geradas; estas dependem das escolhas: uma mudança na disposição das partículas pode transformar um momento e, então, uma oportunidade ou se vai ou se cria. As oportunidades? Não, elas não aparecem, são criadas. Perdê-las é simplesmente uma questão de dormir no ponto ou piscar os olhos no momento errado.


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1 e 2 Princípio linguístico saussureano no qual  significante é a imagem acústica (neste caso, o som emitido ao se pronunciar a palavra) e significado é o conceito a ele atribuído.  

3 Segundo Saussure, a massa amorfa é uma ideia nebulosa, o pensamento em si, onde nada é delimitado nem preestabelecido antes do aparecimento da língua.

4 União de um conceito (significado) a uma imagem acústica (significante).

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O Plano dos Gatos

Lyra e Zé Tigrão observam Roberta, que está jantando. Os gatos conversam entre si. Lyra se dirige ao quarto de Roberta e escala até a prateleira mais alta. Lá de cima, a gata derruba uma caixinha que possui gavetas, esta se estraçalha no chão. Roberta, atordoada, larga no braço do sofá o prato de comida e se dirige ao local de onde vem o barulho. Ela constata o estrago, arranca a gata da prateleira e volta para a sala a fim de terminar a janta. Para sua surpresa, Zé Tigrão terminava a refeição por ela. Do quarto retorna Lyra, que pergunta a Zé Tigrão:


– Conseguiu?


O gato responde, lambendo os bigodes:


– Foi um plano perfeito!

sexta-feira, 13 de abril de 2012

A anencefalia e o respeito à vida

É surpreendente que, ainda hoje, em um Estado Laico como o Brasil, haja polêmica sobre uma decisão pessoal de dar continuidade ou não a uma gravidez já condenada. É bem verdade que existem casos de crianças anencéfalas que sobreviveram um ano ou mais e que muitos pais dão todo o seu amor à criança durante esse curto tempo de “vida”. É um lindo gesto, de fato, e o direito de dar à luz um bebê nessas condições deve ser – e está – resguardado, bem como o direito de não fazê-lo.


Felizmente a interrupção da gravidez, no caso de detecção de anencefalia no feto, deixou de ser crime. Afinal, cabe aos pais, mais especificamente à mãe, e não ao Estado – Laico – a decisão sobre a continuidade, ou não, de uma gestação nessa condição tão delicada. Há quem argumente sobre a questão do direito à vida, mas o conceito de vida, neste caso, é algo que precisa ser ponderado com cautela. Se a morte cerebral permite que os órgãos de um paciente sejam doados, ainda que – e justamente por isso – estejam em pleno funcionamento, o que se pode dizer de um ser humano que vem ao mundo já sem cérebro? Qual é o limite entre a vida e a morte quando o desligamento do cérebro (e não seria o mesmo em sua ausência?) assina a sentença de morte?


Vale lembrar que, em um Estado como o Brasil, Laico, não se pode tomar decisões judiciais baseadas em crenças religiosas ou espirituais quaisquer que sejam sua natureza. Não compete ao Supremo Tribunal Federal analisar as possíveis consequências extraterrenas referentes à decisão de interromper a gravidez nestas lamentáveis condições, a ele cabe apenas garantir o bem estar físico e psicológico da gestante em questão seja qual for o caminho a ser tomado por ela escolhido.


Se existe, de fato, algum porém de natureza espiritual ou divina que condena o ato, o seu responsável pagará no devido tempo, mas esta crença não deve e não pode ser imposta a ninguém. Aquele que não concorda com a interrupção da gestação tem o direito de não praticá-la, mas não se deve interferir no livre arbítrio que a mãe deve ter para escolher o destino do que cresce em seu próprio ventre e está condenado a nascer com uma certidão de óbito a ser assinada. Ninguém, além da progenitora, tem a real dimensão do que é carregar um ser em seu interior e senti-lo se desenvolver, acompanhar todos os passos de uma gestação que não culminará em uma maternidade plena.


Não há aborto se não há vida; e a vida mais importante, nesse caso, é a daquela que carrega o fardo, e é a esta que devemos o maior respeito. Portanto, se o seu argumento para condenar a decisão do STF é de natureza espiritual, religiosa ou qualquer outro tipo de manifestação moral, ele não é válido, não no Brasil. E viva a vitória do Estado Laico.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Síndrome da Égua Ibera

Existem momentos nos quais me sinto um pouco Bentinho, e a coisa vai além.  Minha imaginação concebe a Égua, a brisa vem e nasce um potro que logo vira cavalo de Alexandre, trota, cria asas e voa. Ele continua voando, cospe fogo e vira dragão. O dragão cresce, fica imponente e conhece um dragão fêmea. Os dragões se casam, dão uma festa, ficam bêbados, botam fogo nos convidados, destroem tudo e voltam para casa. Lá, encontram a Égua. Sobre ela o bater das asas dos dragões provoca uma leve brisa...