sexta-feira, 29 de abril de 2011

O Cão

Quando ele entrou na sala, viram um homem de estatura mediana. Era possível observar a simplicidade em suas feições. Uma covinha na bochecha que aparecia sempre que ele sorria lhe conferia um ar de menino, ainda que os cabelos grisalhos denunciassem o auge de seus quarenta e poucos anos.

E ele estava sempre a sorrir com uma expressão que transbordava calmaria, provavelmente era um professor de filosofia. Filosofia? Não podia ser, esse tipo de aula não era ministrada ali. Quem sabe então história ou geografia? Mas geografia parecia improvável, um geógrafo dificilmente carrega em seu semblante tamanha simpatia. Geógrafos são sarcásticos e carregados de ironia, são porta-vozes de ideias pessimistas que normalmente estão sempre certas. É a classe mais realista de educadores. Aquele professor não, ele não poderia ser um geógrafo, parecia muito sonhador. Certamente era um historiador ou um literato.

Foi quando, para mais espantar, surgiu ao seu lado, como uma assustadora aparição, o próprio Cão dos Baskervilles. O simpático professor segurava, com firmeza nas mãos, mas sem a necessidade de qualquer esforço, a guia que prendia pela coleira o Cão que arreganhava os dentes e a todos assustava com aqueles olhos luminescentes. Dotado de uma voz extremamente terna e calma, disse o docente ao possuído: "Matemática, senta."

Matemática?? Como poderia aquele homem ser o portador da voz do Demônio dos demônios? De todos eles, Matemática era o mais temido. Química e Física eram cãezinhos domésticos perto dele. Dizem até que em rituais físicos e químicos a invocação de Matemática se faz necessária. Quando o intuito é apavorar alguém, basta dizer o seu nome. E lá estava o Cão postado aterrorizante ao lado do gentil professor. O pânico foi geral quando fora noticiado de que cada aluno ali presente deveria domar a fera. Aqueles que não fossem bem sucedidos seriam devorados, mastigados, engolidos, deglutidos pelo ser inominado.

Ainda que fosse amedrontador, aquele monstro era um animal totalmente domesticado nas mãos do professor. Calmo e com uma destreza invejável, ele dominava a besta como quem aninha um gatinho em seu colo. Fazia o que queria, mandava e desmandava, e nem mesmo uma dentada ele levava. Aquele homem provavelmente era perito em lidar com a arte das trevas! Explicou-lhes que não, bastava não atacar, não lutar contra o Demônio, e então Matemática se mostraria mais amistoso do que se poderia imaginar.

Pouco a pouco, os alunos foram se aproximando. Alguns ousaram tocá-lo, outros observavam de longe. O professor, cujo semblante emanava paz e tranquilidade, tentava acalmá-los e, da forma mais didática e simpática possível, mostrava a melhor forma de compreender e se aproximar do Cão. Para alguns o animal se virava de barriga para cima e pedia cócegas, para outros, os olhos luminescentes do Belzebu faiscavam ódio e exacerbavam seu desejo por sangue. Matemática não suportava insegurança, quem quer que fosse lidar com ele precisava ter força e determinação.

Ao fim da aula de apresentação, sorridente como era de costume, o professor se retirou carregando com ele o Cão de andar imponente, deixando para trás tanto alunos que descobriram que o tal Demônio não era tão assustador como rezava a lenda, quanto aqueles que, ao encarar a fera de frente, ficaram ainda mais apavorados; mas tão apavorados que, sem precisar tomar um tapa na cara, já estavam prestes a pedir para sair. E esses últimos, já sabia o Cão, nunca serão.

6 comentários:

Roger Lopes disse...

Por Narciso! Estás ficando cada vez melhor nesse estilo de escrita rebuscadamente recheado de exebicionismos referenciais literários. Supercalifragilisticexpialidocious! Fodam-se os grilhões léxicos, sintáticos e semânticos e vivam as analogias pleonásticas exageradamente hiperbólicas. Só não vai viciar e escrever assim no vestiburrar, hehehe

Unsere Welten disse...

Confusa fico eu quanto ao direito do uso de referências. Pois na fudecs (como diria a minha professora xará referindo-se à Fuvest) ter citações e referências são praticamente é praticamente obrigatório no desenvolvimento da argumentação de uma dissertação, para poder fundamentar a minha ideia. Hoje mesmo, no laboratório de redação, dissertei um texto citando os Jetsons, George Orwell e uma frase do Renato Russo hehehe.
Acredito que se deve diferenciar é que, caso esse texto fosse para a fudecs, eu deveria mencionar o nome de Sir Arthur Conan Doyle e informar que estou parafraseando falas de um filme do cinema nacional.
De qualquer forma, eu realmente estaria lascada, pois meu gênero se enquadra mais em contos e crônicas do que para uma dissertação propriamente dita hehe.

Obrigada pelo elogio, é sempre um estímulo para continuar evoluindo textualmente hehe ;P

Roger Lopes disse...

Tens razão, de fato seu texto enquadra-se mais no gênero Crônica e neste contexto não faz-se necessário o crédito, pois trata-se de uma obra reconhecida e não um escrito obscuro de algum autor quase anônimo. No máximo uma notinha de rodapé para os incultos.

Já em relação á dissertação, existe uma lógica para ser o tipo de texto pedido em processos seletivos, pois além de analisar noções básicas em gramática e argumentação, também cobra do vestibulando conhecimentos gerais de assuntos de relevância global como o "Sistema de Políticas Públicas no Brasil" ou "A Importância da Consciência Sócioambiental no Mundo Contemporâneo" e coisas do gênero. Nesse caso as citações, referências e exemplos, apesar de não serem obrigatórios, dão grande credibilidade ao texto, porém devem ser inseridas parcimoniosamente e geralmente (não sempre) precedidas de introduções tipo “de acordo com”, “segundo”, “conforme” etc.
Exemplo:

O recente aumento de expectativa de vida na Terra tem afetado negativamente a produtividade de castigos no Bloco Fundamentalista Inferior. A falta de mão de obra especializada é apontada como o principal fator de decadência deste outrora temido setor de acordos penitenciais e ligando figuras do mais baixo escalão a denúncias alarmantes de falsidade ideológica.

De acordo com dados expostos pelo relatório da Comissão Dante Para Assuntos Infernais do Sétimo Círculo, o primeiro-ministro do Gabinete dos Caídos, Luis Saifer, estaria diretamente envolvido na operação Lavagem de Asas Sujas, chefiada por um grupo de arcanjos renegados do Esquadrão Nuvem Branca, dissidência da facção criminosa Céu Para Todos, sendo também indiciado o Diretor do Departamento de Inteligência, Cérbero Cachorrão, "por fazer vista grossa paesar de suas tr~es cabeças e seis olhos", conforme transcrito do referido documento.

Segundo análise do relator Capeta Coisa Ruim, “aproximadamente 50% das almas condenadas que deveriam cumprir pena de expiação nos tártaros de Hades, por atos hediondos de bondade e fé cristã, receberam indultos com a conivência de agentes administrativos nomeados em cargos de desconfiança, em pagamento a favores prestados à assessoria do secretário das Áreas de Enxofre Fétido e Chifres Lustrados, senhor Asmodeus Diabo, o que caracteriza evidente violação das Leis que regem a prática de hedonismo nos Reinos Abissais”.

Esse descortino ocorrido num dos mais estratégicos pontos diplomáticos na eterna luta entre o bem e o mal, soa quase como uma premonição à repudiada máxima: “Deus esconde-se nos detalhes”, criando condições para uma possível intervenção oposicionista celestial, que abalaria o já conturbado sistema bipolar e concederia uma hegemonia desproporcional, abrindo precedentes perigosos no delicado equilíbrio de disputas pelo poder nos pleitos do Conselho de Segurança da Organização dos Nazarenos Unidos (ONU).

PS. Diz a lenda que o elogio corrompe, mas como sou um descrente, reitero, seus textos estão cada vez mais supercalifragilisticexpialidocious!

Roger Lopes disse...

Que droga, não dá para revisar depois de postado. No segundo parágrafo do exemplo, onde está escrito "paesar de suas tr~es", leia-se "apesar de suas três", hehehe

Unsere Welten disse...

Hehehe eu entendi que foi um erro de digitação, cabeção! Bom exemplo sarcástico hehe vou treinando, vou treinando... :P E confesso que também acho que estou escrevendo melhor, textos mais divertidos. Preciso de mais inspiração, mais referências, as quais vou acumulando com o decorrer do tempo.

Roger Lopes disse...

Quer aumentar as referências e inspiração? Leia mais quadrinhos. Vai por mim, ajudam pra cacete no quesito ironia. Calvin, Mafalda, Asterix, e Garfield que o digam, hehehe