domingo, 19 de março de 2023

Carta à atual.

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Eu me solidarizo com você e com tudo que você provavelmente irá passar. Você vai amar, e vai amar muito. Talvez ele corresponda, só não talvez da forma que você espera ou mereça. Você vai se entregar de corpo e alma, e você será capaz de despertar o melhor dele e ele será capaz de despertar o melhor de você. Infelizmente, o pior também. Ele provavelmente irá se esforçar muito por não querer repetir os mesmos erros, por não desejar, do fundo de sua alma, ser tóxico. Talvez ele até diga que te ama. Ele possivelmente terá aprendido a se expressar. Ou talvez não. Talvez você passe um, dois ou três anos esperando o momento em que finalmente as declarações de amor serão recíprocas e ele finalmente responderá o seu “eu te amo” com um “eu também”. Com sorte, você não precisará esperar seis ou sete anos para ouvir ou receber uma declaração de amor mínima, feita pelo simples peso na consciência de nunca tê-la feito. Talvez ele realmente tenha aprendido a fazer tudo diferente e você não se sinta no vácuo e então não precise enfrentar o fim de um relacionamento sem uma única carta de amor para jogar fora, ou queimar, ou qualquer desses rituais de encerramento que corações partidos às vezes fazem. Mas você se sentirá sozinha algumas vezes. Muitas vezes. Possivelmente a maior parte do tempo. Mas tudo bem, porque suas ânsias e dores nunca serão tão relevantes quanto a intensa e devastadora depressão e ansiedade que o assolam por anos de existência. Você provavelmente fará ou tentará fazer de tudo para ajudá-lo a sair do buraco. Em vão. Ele vai querer ficar sozinho, e você o respeitará, claro, porque o ama. Isso poderá se repetir algumas vezes, muitas vezes, tantas vezes que pode começar a doer. Talvez você expresse essa dor, mas ela provavelmente será irrelevante, porque tudo se resumirá ao fato de que você não é e não quer ser egoísta de desrespeitar o espaço dele.

Desejo que você não precise enfrentar acessos de fúria, raiva e, o pior de todos, silêncio duro, dardejante e indefinido. O tratamento de silêncio que te deixará em desespero, por alguns dias, ou algumas semanas, com inúmeras tentativas frustrantes de reestabelecer algum contato e, de alguma forma, consertar o que quer que você tenha feito para deixá-lo assim. Talvez você chore sozinha por intermináveis dias de angústia sem saber se ainda existe um relacionamento ali, com seus amigos e amigas te questionando por que você suporta isso. Mas você segue resiliente, porque o ama, e sabe que isso em algum momento irá passar, mesmo sabendo que, a qualquer momento, tudo poderá voltar. Mas tudo bem, porque haverá dias de paz e vocês irão rir, irão se amar, se divertir e você poderá sentir seu coração quase explodir de amor, ainda que você possa se sentir pisando em ovos, com medo de acionar qualquer gatilho que possa desencadear o pesadelo da raiva seguida do silêncio indefinido outra vez. Com sorte, você talvez não precise ficar escondendo e abafando cada incômodo, cada angústia, pois não vale a pena expressar qualquer coisa sob o risco de deixá-lo tão irritado, e passar anos se perguntando o que você fez de errado, sem obter qualquer resposta, pois a raiva não dialoga e o silêncio não fala.

Quem sabe você tenha mais amor próprio do que eu e aprenda a se levantar da mesa quando o pouco amor servido já estiver frio e o único prato disponível for a solidão a dois. Talvez, com você seja diferente, ou talvez você apenas queira acreditar que seja, afinal, nós sempre somos especiais e nosso amor é sempre mais verdadeiro.

A você, toda a minha solidariedade, sororidade e boa sorte.

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