quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Reforma

Eu não ganho muito, mas não moro numa favela. Construí minha casa num terreninho que consegui comprar há algum tempo. A grana não era muita, a casa é pequena, tem quatro cômodos e ainda há reforma por fazer. Só que agora a situação apertou por conta da chegada da pequena Alice. Ela é a alegria de nossas vidas! Eu e a mulher vivemos muito bem, o que me preocupa é que daqui um tempo a menina não vai mais poder freqüentar a creche pública e terá que ir para uma escolinha, não temos condições de pagar uma particular e escola pública não é o sonho de nenhum pai para seus filhos.


Eu preciso de dinheiro, não é novidade, quem é que não precisa? Minha prioridade é minha pequena, que ainda por cima é asmática e precisa de tratamento. Quando os remédios acabam no posto, sou obrigado a comprar na farmácia comum, e como é caro! E agora a casa está com goteiras, preciso terminar a reforma. Fiz um empréstimo que não tenho como pagar, não foi o suficiente. Às vezes falta dinheiro para as compras do mês, tive que tirar da conta de luz para poder pagar o mercado. Agora a conta de luz ta atrasada, dentro de dois dias devem cortar a energia aqui de casa.


Devo confessar algo (que a mulher não me ouça!) mas vez ou outra fico pensando porque é que tive uma filha. Não que eu esteja arrependido, eu amo a Alice, ela é o maior bem que existe na minha vida. Mas, eu não tenho condições nem de sustentar a mim mesmo, porque cometi a injustiça de colocar no mundo uma criança a qual nem posso dar o que ela merece? Já me disseram que essas coisas não podem ser controladas, que é a vontade de Deus. Ora, que cruel esse Deus que quer ver seus filhos sofrendo! Eu não entendo como isso funciona, se temos a possibilidade de escolher certas coisas, porque é que devemos optar sempre pelo caminho mais difícil? Tudo bem que a idéia de que temos controle de nossas vidas é uma ilusão, muitas coisas acontecem sem que possamos decidir, simplesmente acontecem e temos que aprender a lidar com isso.


Mas eu acredito podemos escolher ter ou não ter um filho, Deus não vai pagar a escola da Alice, nem os remédios para asma. A vontade tem que ser minha, não dele!  Agora olho para a minha casa, tem goteira bem no quarto da menina, tive que mudar o berço de lugar. Preciso arrumar dinheiro para essa reforma logo, não posso deixar a criança nesse ambiente insalubre! José, meu vizinho, me contou o que ele fez para arrumar dinheiro fácil, ele não mora numa favela, mas ele construiu um barraco! Para que um barraco se ele tem uma casa? Descobri que aquela favela iria ser reurbanizada, a prefeitura estava pagando sete mil reais para o proprietário de cada barraco. Então José tinha um barraco. No dia da desapropriação o ele se instalou dentro do barraco, e eu acho que o infeliz é ator! O dito cujo fez a maior cena para que não derrubassem seu barraco, pois ele não teria para onde ir. E foi assim que ele conseguiu sete mil reais.


Mais tarde descobri que não era a primeira vez que ele fazia isso, e que não era só ele que tinha havia descoberto essa mina de ouro. Então comecei a pensar, se todo mundo faz, ora, é porque todo mundo é corrupto! Quem faz por sete mil, faz por milhões, quem faz por milhões, é político e corrupto. Eu não faço por milhões porque não sou político, não faço por sete mil porque os chamo de corruptos.


Não me sinto culpado pelos corruptos que já elegi. Já tentaram me convencer que eu sou o responsável pelo futuro do meu país e que tenho o poder de escolher meus representantes na sociedade. Fui mostrar-lhes então que nenhum daqueles candidatos me satisfazia, já que eu podia escolher, eu não escolheria nenhum deles, e então votei nulo. Mas passaram a me dizer que eu estava abrindo mão do meu direito de voto, me calando perante a sociedade e perdendo o direito de reivindicar meus direitos.


Se sou culpado por aqueles que elejo e se não o faço sou omisso, percebo então que não há para onde correr e que a única coisa que  realmente escolhi fazer foi colocar minha filha no meio disso tudo. E agora o que me resta é cuidar da pequena fazendo por ela o melhor que eu puder, quem sabe quando crescer ela tenha mais consciência que eu!

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