quarta-feira, 8 de junho de 2011

A luz da vida

A luz acabou; sinto-me perdida. Ao meu lado, um pires com uma vela acesa; em minhas mãos, um caderno e uma caneta; e, na cabeça, uma ideia a ser transposta para o papel. Em momentos como esse, percebo a dimensão da dependência que temos da estrutura urbana. A bateria do meu celular está esgotada, não há meios de recarregá-lo e o único relógio que não depende de energia elétrica que tenho disponível agora é um de bolso movido a corda; levando-se em consideração que eu raramente lembro de dar corda nele, eu não sei que horas são e tampouco imagino o que é que vai me acordar amanhã na hora certa para trabalhar.


Estou com fome, o microondas não funciona e esquentar um prato de comida no fogão não é muito prático; terei de aquecer a comida toda que, por sinal, ainda está intacta; situação que não deve manter-se inalterada caso a energia não volte em breve, porque a reserva perecível de minha residência não está seca e embebida no sal para sobreviver mais que um dia sem a geladeira. A noite está fria, eu poderia dramatizar dizendo que nem um banho quente pude tomar, mas meu chuveiro é a gás; tudo bem que o aquecedor é movido a pilhas e, quando descarregadas, sem energia elétrica, adeus água quente encanada.


Lembrei que tenho um rádio à pilha; há muito tempo não o uso, afinal, meu celular tem tudo de que preciso e mais um pouco, pena que ele é inútil agora. Comprei esse rádio em forma de sapo na 25 de março há alguns anos quando eu trabalhava no trigésimo primeiro andar de um prédio no centro da cidade; sinceramente não sei por que comprei, mas achei tão fofo que decidi comprar. Pensei que nunca fosse usá-lo e refleti profundamente sobre os impulsos do consumismo inútil; mas talvez tenha sido uma providência divina, ou apenas uma estratosférica coincidência. Pouco tempo depois acabou a luz na região central da cidade e a tempestade transformara em noite o dia.


Enclausurados naquele prédio, fomos para uma pequena sala, o único lugar que a antena do sapo sintonizava alguma coisa, e lá ficamos a escutar um pronunciamento do então presidente Lula. Pensando bem, foi só uma terrível coincidência mesmo, não creio que ficar ouvindo o Lula é o que se possa chamar de uma graça recebida por Deus. Lembro-me desse dia como se fosse hoje; quatro ou cinco pessoas reunidas em uma pequena sala escura em volta de um pequeno rádio; sentimo-nos guerrilheiros escondidos sintonizando com o mundo externo para escutar as últimas notícias e traçar as próximas estratégias.


Eu poderia ligar o rádio agora, certamente não seria possível usá-lo como despertador amanhã, mas se houver energia onde alguma emissora estiver transmitindo as ondas de rádio, poderei esperar algum locutor informar as horas. Decidi não ligar, nem mesmo quero saber as horas; descobri que, ao apagar-se a luz da vida movida a elétrons, encontrei o tempo para introspecção que há muito estava perdido; e diante desse silêncio visual, até mesmo o céu de uma metrópole pode enfim mostrar-se estrelado.

Um comentário:

Aleques disse...

Curti!!