sábado, 18 de agosto de 2012

O diálogo entre o Corpo, a Cabeça e o Coração

Dessa vez o Coração quebrou em diversas partes, sua dor era tanta que o Corpo e a Cabeça se calaram diante dele por alguns instantes. Ele chorava, soluçava, não conseguia ver adiante, tudo parecia acabado. Nem a Cabeça ousara intervir, até ela havia se enganado. O Corpo, que nunca havia sentido tanta sintonia antes, também não entendia, lamentava a ausência do que lhe causara tanto prazer. Todos estavam de acordo. Dessa vez, portanto, não haveria erro. No entanto, todos foram surpreendidos, todos ficaram arrasados.


– Coitado do Coração – dizia a Cabeça – normalmente ele é burro, mas dessa vez nem o culpo. Eu que não sou sentimental consegui me envolver completamente. Nunca antes tínhamos agido em pleno acordo.


– E eu que estava quieto, não fui o carro chefe da ação como costumava ser (o que, aliás, nos causava sérios problemas) – prosseguiu o Corpo – Apenas observei de longe, vi você, Cabeça, tão envolvida intelectualmente que, quando o Coração acordou daquele longo sono e a passou bater cada vez com mais força, comecei a me agitar.


– Ta doendo pra caralho! Alguém acaba com isso, por favor! Eu não aguento mais essa dor! Preciso de paz – interrompeu o Coração, soluçando.


– Calma, Coração, isso passa, você já se quebrou assim antes. – respondeu solidária o Cabeça.


– Passa? Eu não tenho memória! Não lembro mais como era sentir tanta dor, não pensei que pudesse doer tanto, ta doendo, e nada faz passar…


– É porque você não pensa, mas eu lembro, Coração, e como lembro. Sofri para tirar você daquela situação, naquela época eu estava meio fraca, não me alimentava bem, por isso foi tão difícil. Mas foi a única situação que te vi desse jeito, tão machucado. Eu não tinha forças para te resgatar.  Mas, ai, eu te entendo... quando outra vez vou poder ter conversas e discussões tão agradáveis com alguém que ao mesmo tempo se conecte com vocês dois? Mas hoje eu sei, hoje eu sou forte, e vou nos guiar para fora dessa escuridão. Eu vou tirar você dessa, Coração…


– Vocês não fazem ideia da falta que sinto daquela pele… – disse o Corpo.


– Corpo, você não está ajudando. Esquece que o Coração se entregava completamente quando você entrava em ação?


– Eu sinto falta de tudo – falou o Coração – daqueles olhar, daquele abraço, daquele sorriso… ah, o olhar tão sincero… eu me enganei? Não! Não posso ter me enganado tanto, não desse jeito, não depois do que vi e senti…


– Todos nós nos enganamos – respondeu o Corpo – mas é claro que a culpa principal é de vocês. Ficaram com tanto mimimi de sentimentalismo e excitação por compatibilidade de gênios que até eu me empolguei. (E acho que nunca me empolguei tanto na vida!)


– Ah, cale-se, Corpo. Ninguém é mais ou menos culpado aqui, nós estávamos em acordo, ninguém pensou que isso poderia acontecer (nem eu, que sou o único que penso nessa família!) – retrucou a Cabeça.


– Parem vocês dois! Eu só quero paz, só quero parar de sentir essa dor. Eu não me enganei! Eu sei que não.


– Coração, eu sei que você está sofrendo, mas, entenda… acabou. Você vai ter que superar isso.


– Não, não acabou, não ainda, eu não acredito nisso! Eu não me enganei, eu sei o que eu vi…


– Eu sei que continuo cheio de desejo aqui, é tudo que sei. – disse o Corpo.


– Eu sou o único que pensa aqui, eu sei que uma hora isso vai acabar, e um dia estaremos prontos pra outra, de novo.


– Você não sabe de nada, Cabeça, você não sente, e a razão nem sempre é a dona da verdade.


– Tudo bem, Coração, você tem que passar por isso, não adianta eu falar. Com o tempo você vai se recompor e aceitar a realidade.


– Cala a boca! Eu não quero ouvir, eu vou continuar esperando enquanto eu tiver forças!


– Com licença, vocês dois, eu vou dormir um pouco, ok? Assim eu descanso, a Cabeça desliga e o Coração para de sentir. Até mais.


Algumas horas depois…


– Mas o quê..? Oh não… Cabeça, por que você me acordou? Eu ainda estou exausto!


– Não consigo parar de pensar, ainda espero conseguir entender… Coração, como você está?


– Ele não está respondendo – disse o Corpo.


– Eu… me deixem, não tenho forças – respondeu o Coração.


– Sem sua energia eu fico fraco, Coração, eu preciso que você seja forte… – lamentou o Corpo.


– Só me deixe aqui quieto…


Pela primeira vez a Cabeça não assumia total controle. Desolada diante da situação, restou-lhe apenas dizer:


– Bom, tudo o que me resta agora é cuidar de vocês dois…

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